Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (3ª Parte)

Mergulhado no imenso deserto seguido por dois jovens leões, carregando o terceiro ao colo, pois nunca do sono durante o qual os pais foram exterminados o seu corpo acordou. A trágica figura com a sua banda demente. Acercava-se de mim a dúvida quanto ao meu destino. Os leões seguiam-se como gatinhos obedientes. Andava e andava e via sempre o mesmo sol abrasador que nunca se ia embora. Durante muito tempo caminhei, sem parar, sob o sol extenuante. Pareceram-me passar-se semanas e o sol não ia embora, pelo contrário, parecia arrastar-se pelo céu numa marcha lenta, como se estivesse a fazer pouco de mim e do meu sofrimento. Estava cansado e não conseguia dormir sob aquele demónio de luz e calor. A fome levou a melhor e acabei por comer o leão do sono eterno às escondidas dos seus irmãos. Quando a minha pedra afiada do seu jovem peito se aproximou, a pena que do leão sentia era menor que a fome que me devorava por dentro. Quando a pedra fez a incisão no seu peito, a carne crua e o sangue como água escorreram-me pelo corpo dando-me um novo ânimo. Devorei-o cru como se fosse um petisco. Ao recobrar a marcha os leões deram pela falta do irmão. Atacaram-me, mas eu repreendi-os e continuaram a seguir-me, mas pareciam algo contrariados, enraivecidos até. Quarenta e oito horas se passaram e os leões estavam cada vez mais furiosos e estava a tornar-se difícil para mim dominá-los. Quem diria que um animal irracional sentiria saudade. Irracionais são as vossas conas, filhos da mãe! No dia em que a escuridão se abateu tudo ficou pior. Atacavam-me mais violentamente. Comeram-me um dos braços e saciados, seguiram-me tranquilamente. E no céu, o sol já estava a acabar a sua apática marcha, escondendo-se atrás do horiznote, mas a Lua ainda não tinha chegado e a estrela da tarde derramava a sua pálida luz branca pelos ares. A temperatura desceu e senti-me melhor. Quando a escuridão total se abateu sobre nós, eles comeram-me outro braço e assim foi, foram-me devorando durante a longa noite, até que apenas me podia movimentar com uma perna, saltando ao pé coxinho pelo deserto, deixando no areal amarelo um rasto de sangue atrás de mim. Os leões precisavam da minha força anímica e eu pressenti-o. Ao avistar cidade gritei e acercaram-se de mim militares a andar de camelo. Transportaram-me para a cidade e curaram o meu corpo.

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