Comiseração (55) (P)

Doem-me os braços e os amassos negados são piores que abraços roubados

Oh Meu Deus, o meu coração está parado! Abandonado no meu peito amaldiçoado, já não bate, já não vive é só silêncio. Consumido por atrocidades e de esperanças despido quando se viu do alto sonho destítuido

Fomos outra vez Inverno para as nossas sombras
Assim que o som da chama se apagou na alcova
E sozinhos percebemos que a vida estorva

Se te tirassem as correntes, fugirias?
- Não, esperaria a hora da vingança.

Olha as minhas mãos geladas, não as posso aquecer, abandono-as à sua solidão. Elas que cuidem de si, as minhas mãos porque eu quero uma independência total. Ahahhaha, os meus orgãos abandonados apunhalar-me-ão pelas costas numa noite de solidão. Dai-lhes vida e trabalho enquanto não restar força para o seu sofrimento. Assim decretaram as legiões divinas.

Oh Meuu Deus, toda à minha volta é uma estrada sem volta para a morte torta! Quantas vezes observei os caminhos estáticos até perceber que são eles que se movem? Quantas vezes vi a estrada ser percorrida por homem que não regressou por ela? quantas dessas estradas avançaram para outros lugares, onde por vezes nem havia estrada que depois foi aproveitada por aqueles a quem foi levada. Chegaram a essa estrada e fizeram cidades nas pontas e mais estradas para lá delas, umas iam dar ao Oceano, outras aos férteis vales montanhosos do norte, onde a chuva abundante caía magicamente de um céu misterioso debaixo do qual continuaram a crescer estradas e a nascer peregrinos para as percorrer em busca de redenção. Quantos desses caminhos tens de percorrer com a alma pura para poderes ser um homem leal ao Senhor dos Mundos? 6666. Seis mil seiscentas e sessenta e seis. Nem mais nem menos, um portentoso e atormentado insolente, era o que era esse homem morto, atirado todos os dias para uma estrada nova, que está a correr a mil à hora, ou a dois mil, dependendo da velocidade do coração de cada um, porque há pessoas que percorrem as estradas do mundo como aquelas que não estão paradas nas escadas rolantes e as sobem, em vez de aproveitarem simplesmente o impulso mecânico e ficar à espera de ser levadas ao seu destino. Claro que na vida também há as outras pessoas, que ficam paradas estupidamente e se deixam levar aos sítios, por isso todas as pessoas do mundo ficam incluídas nesta metáfora através de ascensores mecânicos, profetas messiânicos da preguiça do homem. Entre as pessoas que esperam ser levadas há algumas que aproveitam o tempo de ascenção para observarem o que se passa ao seu redor e tentar tirar o máximo das pessoas que passam, processando tudo o que elas aparentam pensar e projectando isso bem alto nas candeias do seu Universo, pelo que o facto de aguardarem acaba por não ser tempo perdido, uma vez que o tempo está a ser investido no enriquecimento pessoal que poderá vir a dar frutos mais tarde, frutos para comer no silêncio de uma noite de Outono. Frutos que eu tenho de roubar das árvores alheias, porque não tenho dinheiro para os comprar de outro jeito...Frutos que estão sequióides - ainda não estão maduros - (por isso ainda não foram colhidos) e a sua secura faz com que me engasgue silenciosamente entre uma lágrima e uma sacudidela, um tremor e um espasmo em Mirandela.

Nadir Veld

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