Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (27 de Abril de 2016)

Hoje acordei sobressaltado às quatro e meia da manhã no meu quarto alugado numa zona quase central da cidade de Novi Sad na Sérvia. Senti um frio percorrer-me, como se um espírito gelado tivesse passado pelo chão do meu quarto em ascensão até ao tecto. Percebi que se tratava da própria Morte quando o calafrio mais frio que alguma vez percepcionei escalou pelo meu corpo um arrepio que eriçou todos os meus pêlos. Corajoso, abri os olhos e enfrentei-A. Finalmente o meu momento tinha chegado. Vivi uma vida maravilhosa, cheia de aventuras e conquistas. Tudo chega ao fim um dia. Esperei, mas, para meu grande espanto, nada aconteceu, os meus pêlos deixaram de estar erectos, o frio que me percorrera aqueceu. Continuei vivo. Comecei a pensar no que teria sido aquilo e fui completamente incapaz de dissociar aquele sentimento do sentimento negro da Morte. Não consegui mais adormecer, temendo que a Morte pudesse reaparecer a qualquer momento, Ela parecia ainda estar ali. Às sete e meia da madrugada, a hora a que costuma acordar a senhora Trivalić, que vive no piso de baixo, só com os seus três filhos, ouvi um grito ensurdecedor, um grito de mulher, um grito de mãe desamparada. Precipitei-me para o andar debaixo, descendo as escadas quatro a quatro. A senhora Trivalić costuma ser bastante simpática comigo, pelo que não quero que nada de mal se passe com ela. Bati uma, duas, três vezes, sem grande insistência. Ao cabo de três minutos um dos seus filhos abriu-me a porta com um ar estremunhado de quem acordou sobressaltado por uma terrível decepção. Perguntei-lhe o que se passava no meu péssimo sérvio e ele apontou para dentro. Entrei e dirigi-me à casa de banho, de onde vinham os soluços da mãe agoniada. Ajoelhada em frente à banheira transbordante, a senhora Trivalić chorava a morte do seu filho que cortara os pulsos enquanto tomava banho e cuja alma entrando na morte arrepiante me acordou do meu tranquilo sono para o horror do mundo, mais uma vez.

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