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A mostrar mensagens de agosto, 2016

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (25 de Junho de 2016)

Estava em Košice na Eslováquia, a ver o jogo do europeu de futebol que opunha Portugal à Croácia, na esplanada de um café na zona central da segunda cidade eslovaca, sentado à mesa com um homem que não conhecia, mas tinha-me sentado ali por não haver mais mesas vazias e aquela ter boas vistas para o televisor. Já no prolongamento, depois de ter bebido três ou quatro cervejas, chamei a empregada para pedir mais uma. 'Jedno pivo' disse-lhe, num eslovaco perfeito e levantei o dedo indicador para simbolizar o um com a mão. Quando ela voltou trazia consigo duas cervejas. Ainda pensei que a segunda cerveja fosse para uma outra pessoa presente na esplanada, mas ela trouxe ambas para mim. Em inglês, porque o meu eslovaco não chega para explicações nem reclamações, disse-lhe que era apenas uma cerveja e fiz novamente o símbolo que eu há muito achava universal para o número um, um indicador esticado em nenhuma direcção particular, simplesmente indicando uma quantidade, uma unidade. A emp

Gosto (65) P

Gosto das raparigas que andam de Vespa na grande cidade de Roma com os seus cabelos ao vento debaixo do capacete negro, com óculos de sol, que lhes dão um ar misterioso, quase imperscrutável, escondendo os seus olhos brilhantes, cheios de vida e com as suas lindas pernas bronzeadas surgindo de brancas saias provocadoras com rendilhados que deixam entrever alguma deliciosa pele. Gostava que, um dia, uma delas parasse e me desse uma boleia rumo à felicidade desejada, seria a concretização de um grande sonho. Pode dizer-se que tenho uma pancada por estas jovens desconhecidas e posso facilmente passar um dia a olhar para a estrada e a vê-las passar, com um sorriso pervertido na cara expressando toda a depravação de um louco solitário. Gosto também do facto de os italianos se deslocarem tanto de mota, a sua forte presença nos filmes não é um estereótipo exagerado, pois acaba por ser o modo mais inteligente de se deslocarem por aquelas típicas ruas estreitas em que dificilmente um carro pass

Gosto (64) (P)

Gosto de palavras com muitas consoantes seguidas, principalmente palavras eslavas. A minha estadia no leste permitiu-me adquirir a capacidade de pronunciar palavras lunáticas como šmrt (a minha favorita em termos de significado), štvrtok (a minha favorita em termos de sonoridade), vlk, krv, srdc, msze, crvki (que se prenuncia tsrvki, pois na maior parte das línguas eslavas o 'c' lê-se 'ts' - o nome do realizador Emir, nascido na Bósnia, em Sarajevo, não se pronuncia 'Kusturika', como a maior parte das pessoas diz em Portugal e noutros países, mas sim 'Kusturitssa') entre outras, que significam, respectivamente, morte, quinta-feira, lobo, sangue, coração, massas e igreja. Todas elas são em eslovaco, pelo menos, pois podem ser comuns a várias línguas eslavas, excepto a penúltima que é em polaco e a última que é em sérvio. Até aprendi a cantar e a inserir algumas destas palavras de difícil pronuncia nas minhas cantorias. Para mim é muito desafiante e enriqu

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (24 de Agosto de 2016)

Em Bolonha, com um grupo de raparigas e também alguns rapazes extremamente imaginativos, apreciava as suas capacidades criativas enquanto faziam jogos colectivos que os divertiam nas quentes noites de verão. Elas tinham um papel com uma lista de desafios rabiscados que iam concluído ao longo das horas. Abordaram-me porque tinham escrito na folha que deviam encontrar um bolonhês casado que tivesse aliança e que andasse na rua às três da manhã. Eu disse-lhes que estavam com azar, que eu nem sequer era bolonhês, tinha nascido no Brasil. Elas acharam isso bastante exótico e convidaram-me a juntar-me ao seu grupo. Sentei-me na sua roda. O próximo desafio era cantar músicas que previamente ouviam, usando apenas sinónimos da letra original, sem que com isso desvirtuassem o verdadeiro sentido do poema. Foi muito divertido ver o esforço que faziam para encontrar palavras adequadas. A forma hesitante com que iam progredindo e avançando, revirando os olhos para procurar na sua memória mostrava qu

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (26 de Agosto de 2016)

Voltei hoje à cidade em que estou a viver actualmente, Novi Sad, depois de mais uma viagem pelos balcãs, em que passei pela bósnia e herzegovina, a macedónia, o kosovo e pela albânia, onde estive mais tempo. Neste lindo país conheci pessoalmente aquele que considero um dos melhores e mais apaixonados cantores da actualidade, o enorme Ilir Shaqiri. A ele e à sua abençoada voz, que não precisamos de entender para que nos hipnotize, mando um sincero abraço. De durres, cidade costeira albanesa, ainda fui para a Itália de barco, estive em Ancona, em Roma e em Bolonha, mas tive de voltar para os balcãs porque esta zona apela mais ao meu coração...não gostei lá muito de itália, tem lindas casas e edifícios, mas eu não viajo para ver monumentos, isso posso ver em fotografias. Viajo para sentir o amor das pessoas e um olhar apaixonado e cheio de vida de um albanês vale mais que todos os altares della patria. Em Itália, senti-me também ligado ao terramoto que destruiu Amatrice, por ter pensado

Gosto (63)

Gosto daquilo a que chamo 'um céu de incêndio'. Claro que não gosto de saber que, algures nas redondezas, há uma linda floresta com maravilhosas árvores a morrerem cruelmente, queimadas, consumidas por um fogo intempestivo, mas o fumo que sobe aos céus no momento da incineração das pobres árvores forma uma espécie de cortina à frente do sol que funciona como os filtros que se colocam à frente dos projectores que iluminam as filmagens para dar à cena um aspecto mais adequado com o que se está a passar naquele momento do filme e com o que o realizador quer transmitir ao espectador. Esse fumo transforma a luz do sol e converte-a numa luz ainda mais quente, alaranjada em vez do tom amarelo habitual e eu adoro essa cor, essa luz, por isso, contemplar paisagens com essa iluminação, dá-me um enorme prazer e posso ficar horas a ver essas cores caírem nas casas e nos caminhos. Quando o fumo é muito escuro dá à atmosfera um tom sombrio que também aprecio sobremaneira. Até nem desgosto do

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (18 de Fevereiro de 2012)

Enquanto acompanhava um jogo de futebol num café apareceu uma senhora com todo o aspecto de ser uma dessas pregadoras ambulantes que impingem ideias religiosas aos transeuntes que se cruzam com elas, espalhando principalmente o “testemunho de Jeová” e o evangelismo. Era uma mulher com cerca de 60 anos de cabelo branco e com óculos, com uma jovialidade irritante e com uma resma de revistas que pousou numa das mesas enquanto cumprimentava o senhor do bar e fazia observações pseudo-graciosas sobre o jogo e algumas coisas no café. A princípio ignorei-a e não descolei os meus olhos do jogo, porque estas pessoas normalmente causam-me uma grande repulsa, por isso evito ser abordado por elas, porém, a certa altura olhei para as revistas que ela tinha posto nas mesas porque a palavra escrita interessa-me sempre, ainda que a mensagem verse sobre coisas que não me interessam. Para meu grande espanto, entre as revistas estava aquilo que me pareceu ser um livro “normal”, um romance, mais particula

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (14 de Julho de 2016)

Hoje estava a cruzar a cidade de Subotica em direcção à estação de camionetas, para me ir embora desta cidade no norte da Sérvia e, por alguma razão, comecei a trautear a canção 'Foi na Cruz' de Nick Cave and the Bad Seeds'. Não encontro nenhuma explicação plausível para a estar a cantar naquela altura, mesmo depois de muito ter reflectido sobre isso. Vi uns rapazes húngaros a jogarem ténis na rua, mas isso não me fez pensar em religião nem em desolação, apenas no Novak Djokovic. Quando cheguei à estação liguei ao meu amigo Ricardo para lhe dizer a que horas chegava a Novi Sad e ele fez-me saber que Hector Babenco tinha morrido. Eu e ele partilhamos um grande amor pelo filme 'Pixote' realizado por Babenco. Foi um grande choque porque eu vinha a cantar a canção "foi na cruz, foi na cruz, que os meus pecados castigaram seu jesus" e essa música aparece no filme do qual Nick Cave é um grande fã, por isso compôs uma música em que até canta em português em homen

Comiseração (58) (P)

Enquanto viajava de pé num autocarro para o centro de Bratislava o meu olhar focou-se numa jovem extremamente bela que estava sentada pouco à minha frente. Descrevê-la é uma tarefa difícil e irrelevante. Tratava-se de uma rapariga com todas as formas que encantam os homens e eu percebia que não era o único hipnotizado pela sua beleza quase inigualável. Como ímanes, as cabeças dos homens giravam para aquele polo de atracção e os seus olhos faiscavam de forma animal. Tenho a certeza que muitos deles esqueceram a estação em que deviam sair tão mesmerizados estavam pela sua majestosidade. O seu cabelo loiro caía em deleitosos fios sobre os seus seios protuberantes e nos seus olhos brilhava a vida na sua forma mais pura. Ainda que eu tenha ficado extremamente excitado e, naturalmente, erecto, o sentimento mais forte que ela exerceu sobre mim foi de intensa tristeza e desespero, porque se me afigurava como algo de inalcançável. No meu íntimo eu sei que jamais terei coragem de falar com uma m

Poema em eslovaco

Moj krv je červené Ale moj srdc je čierna Aj zabit' jelen Jeho krv je pivo O meu sangue é vermelho Mas o meu coração é negro Eu mato um veado E o seu sangue é cerveja My blood is red But my heart is black I kill a deer And its blood is beer