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A mostrar mensagens de setembro, 2016

Não Gosto (53) P

Não gosto de pessoas que arranham o fundo do prato com a serrilha da faca enquanto cortam a sua comida. O som produzido com este arranhar é extremamente irritante e parece entranhar-se pela minha pele através da parte de trás do pescoço e desce através da espinha dorsal provocando arrepios em todo o meu corpo. É um som agudo absolutamente horrível e difícil de suportar. Sempre que o meu amigo Carlos me convidava para um almoço ou um jantar eu inventava uma desculpa para não ir porque já sabia que ele ia arranhar o prato com a faca de forma descuidada, quando o seu bife há muito estava cortado. Ele até é uma pessoa agradável com que eu gosto de estar e falar, mas nunca às horas das refeições! Eu acho que ele tem um problema qualquer de audição que o impede de ouvir as altas frequências, por isso não repara quando está a serrar o prato com a serrilha. Eu não lhe digo nada por uma questão de delicadeza, porque somos amigos e porque já o avisei uma vez. Ele pediu desculpa, mas continuou a

Amores que odeiam (P)

Ao passarem por mim as mulheres ajeitam os óculos com dedo do meio Só porque tive a distinta lata de medir o tamanho do seu apetitoso seio E lançam-me cruéis esgares e decerto também olhares de ódio cheio A mais nobre e educada donzela cospe no chão à minha passagem Se me cruzo com elas à beira rio elas queriam estar na outra margem Se vêem numa rua deserta voltam atrás após apocalíptica travagem Deixando claro que o seu amor é uma miragem Quando lhes pergunto as horas Insultam-me sem demoras Ao passarem por mim sussurram maldições entre dentes Sei que só a minha morte as deixará contentes Que posso fazer para ser igual às outras gentes? Nadir Veld

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (6 de Setembro de 2016) (P)

Mais um ano passou e com este já lá vão cinquenta e sete voltas ao sol. Cinquenta e sete voltas ao astro e ainda há tantas coisas que tenho de fazer debaixo dele! Quando um dia acaba sinto sempre que o perdi irremediavelmente, que o desperdicei, que gastei mais uma vez o meu tempo a fazer e a pensar em coisas menores, a degradar a minha filosofia de vida e a minha forma de ver o mundo a trabalhar para que terceiros lucrem com o meu esforço, a cansar-me para que outros tirem benefícios disso, a suar e a sangrar para que Dinossáurios de Biblioteca bebam deleitados as excreções do meu empenho, a ver as minhas oportunidades de liberdade passarem a correr nas ruas movimentadas enquanto fumo infindáveis cigarros à janela do meu prédio, a pensar mais no que devia fazer do que a fazer realmente o que devo fazer, a planear uma viagem nunca concretizada a África, a ler notícias que nada interessam e a perder o meu tempo pensando nelas, a ler livros e a estudar filosofias gastas, a ver filmes sem

Gosto (66) P

Gosto de espevitar temores adormecidos nos meus amigos, de os assustar e de lhes provocar um medo que, não raras vezes, toma proporções sobrenaturais. Lembrei-me de escrever sobre isto quando lia 'A Ponte no Rio Drina', mais especificamente a parte em que Ivo Andrić narra a forma como os meninos da cidade de Višegrado lidam com a lenda do Mouro Negro, que estará aprisionado numa das bases da ponte cuja história é contada no livro. Nessa base há um buraco por onde se pode espreitar para o interior e quem vislumbrar o Mouro morre instantaneamente. Uma ou outra criança mais brincalhona e pouco dada a superstições, finge ter visto o homem e começa a gritar 'o Mouro, o Mouro!' e larga a correr pela margem fora, assustando os outros e "assim estraga o jogo e provoca desilusão e indignação àqueles que gostam de jogos de fantasias, odeiam a ironia e acreditam que, ao olharem intensamente, podem realmente ver e viver alguma coisa", como escreve o autor no seu excelente

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (30 de Agosto de 2016) (P)

À atenção dos meus amigos: nunca abram uma lata de cerveja acabada de cair ao chão, nem mesmo que se tenha furado e esteja a aspergir espuma ameaçadoramente. Hoje, quando ia a subir uma rua de Belgrado com o meu amigo Robert, segurando numa mão uma garrafa de cerveja que estava a beber e usando a outra para segurar duas outras cervejas que ele tinha ido comprar e os calções que me caíam por não ter cinto. Na minha última viagem emagreci muito devido a longos períodos sem comer e ainda não tive dinheiro para comprar um cinto. Segurar as duas latas de meio litro e os calções era um difícil equilibrismo, mas não quis dar parte fraca pedindo ao Robert que me levasse as latas de cerveja que me tinha acabado de oferecer, por isso continuei a andar e a beber da minha, que estava bem fresca e me sabia maravilhosamente na tarde quente, porém, a certa altura, possivelmente devido a um passo descuidado, as calças caíram-me quase até aos joelhos. Motivado pelo facto de estar sem roupa interior, fi