Comiseração (61) (P)

Nadir Veld


Oh não, o tempo está a tentar matar-me outra vez e mandou em seu nome um rádio portátil com relógio digital cujos minutos vão avançando silenciosamente na noite descontrolada. As horas passam e o desejado sono nunca chega. Entro na cama, saio da cama, pego num livro, absorvo-me no livro e o sono não chega. Procuro outro método de induzir o sono no meu cérebro, mas ele está altamente activo e não se coíbe de me lembrar dos meus mais aterradores medos sempre que pode. A noite tornou-se numa bela manhã enquanto perseguia o sono e, apesar de eu me ter mantido alerta todas as horas de escuridão, sinto muito mais que fui vencido pela noite do que a venci a ela. Perdi-me em sonhos nas suas trevas românticas. Agradam-me as ruas nocturnas porque o imprevisível está mais presente nelas e isso faz com que eu me deixe levar por fantasias e acabe os meus dias a projectar quimeras e a desenvolver longas conversas imaginárias com pessoas da minha vida. Na noite em que os reuni a todos em minha casa enlouqueci. Eram doze fantasmas numa mesa e eu era o décimo terceiro, o anfitrião. Cozinhei para eles e ficaram maravilhados com os meus dotes. Conversámos longamente e todas as questões ficaram resolvidas. Não havia ressentimento da parte de ninguém, todas as falhas do passado estavam limpas, não havia mais nada de mau a lembrar. Quando eles partiram senti intensamente o facto de nenhum deles me ter tocado. Não conseguir recordar um leve roçagar de uma mão na minha pele deixou-me num estado de tristeza desesperada. Só dois ou três dias depois voltei a conseguir falar com a projecção de uma pessoa. (Poucas, ou até nenhuma, destas conversas são tidas em voz alta, são conversas mentais que desenvolvo com o meu pensamento, sendo apenas o meu cérebro palco desses debates)

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