Os Estranhos Diários de Zenit Sa (Para tu leres) (P)

Eram quase duas da manhã e eu estava no centro de uma cidade portuguesa com um cigarro por acender pendurado na boca há 5 minutos buscando alguém a quem pedir lume, quando finalmente avistei um grupo de 6 ou 7 pessoas. Caminhei para eles com a esperança de ver finalmente saciado o meu desejo de fumar e perguntei educadamente se tinham lume. Todos os meus gestos foram polidos e não houve uma sombra de desrespeito na minha atitude, pelo que a reacção que se seguiu me deixou boquiaberto:
- Não, não temos lume! Porque é que havíamos de ter lume, porque somos pretos? “Vou pedir ao preto porque o preto fuma”, é isso que tu pensas?
A agressividade descabida no seu tom de voz não é impossível de ser transmitida no discurso escrito, mas ele falou comigo num tal tom de sobranceria e superioridade que eu me senti ameaçado. Eles estavam num número bastante superior e eram jovens, pelo que se quisessem entrar em confronto físico comigo eu dificilmente teria alguma hipótese de os vencer, contudo não tive medo e confrontei-o com as suas falsas afirmações.
- Como? Por seres…(nem sequer repliquei, porque o pudor e o respeito me fizeram conter a palavra “preto” que ele havia dito). Só vos pedi a vocês porque não há aqui mais ninguém (fiz um gesto amplo com o braço abarcando a praça deserta) e quero fumar um cigarro (e apontei para o cigarro apagado que agora segurava entre os dedos).
- Mas queres o quê? (replicou ele em tom claramente ameaçador enquanto avançava para mim)
Uma das raparigas que estava no grupo segurou-o e disse-lhe para não me ligar, também ela usando de uma sobranceria muito estranha, recusando-se a olhar na minha direcção e referindo-se a mim como se eu fosse uma coisa, um objecto insignificante e sem importância que eles deviam ignorar colectivamente.

Enquanto eles se afastavam, as suas gargalhadas altivas deixaram-me um pouco humilhado. Ouvi a palavra “racismo” cuspida no meio das coisas que diziam uns aos outros. Quando eu me dirigi a eles nem sequer tinha reparado que eram negros. Dirigi-me a eles como me dirigiria a qualquer pessoa àquela hora da noite para ver se tinham um isqueiro, uma vez que eram duas da manhã e as ruas estavam vazias. Eu nem sequer sabia que os negros fumavam mais que os brancos ou que havia um estereótipo qualquer que dissesse que os negros são fumadores compulsivos.

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