Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (2 de Agosto de 2013) - A Fuga de Fuzeta

Os meus olhos determinados brilham loucamente, iluminados pela forte luz amarela do fogo que consome a casa agora crepitante onde vivi. Vastas chamas estendem-se a uma altura de 5 metros acima da parte mais alta da casa. Sinto que atirei para trás das costas um passado recente que me repugnava. A casa protectora, com o seu tecto e as paredes criando a ilusão de segurança (ou uma segurança real que é um mau sentimento, como se nos deixasse prostrados) desaba agora para todo o sempre e eu contemplo maravilhado o seu desaparecimento. A gasolina, dispersa em posições estratégicas dentro de casa, ajuda à combustão, criando efeitos magníficos. De uma das quatro janelas da minha pequena casa sai um braço de fogo incrível, uma espiral alucinante consumindo o vazio. Sei que sonhei com uma vida de reclusão, escrevendo livros para ganhar a vida, mas esse sonho não durou muito, cedo me apercebi que não tinha capacidade nem talento para escrever bem. Os grandes escritores têm de trabalhar muito para o serem. Ler, escrever, pensar durante muito tempo para terem o talento da escrita. Eu tenho talento para viver, por isso decidi fazer apenas isso da minha vida. Sei viver melhor que ninguém. Os trilhos da minha vida comprovam-no e se há alguma coisa de que me orgulhe tem a ver com as aventuras por que passei,as batalhas que venci. Das profundezas da minha alma, do sentimento que sinto, nasce uma nova força, como se a minha contenda tivesse sido renovada, cresce um apelo selvagem para de novo correr o mundo; lá, na essência do meu espírito, reside o desejo essencial de descoberta, um sopro definitivo que me impele a procurar o que ainda não foi inventado e a redescobrir o que há muito foi esquecido. Uma forte explosão acorda-me dos meus pensamentos febris e apercebo-me, com alegria, que as chamas alcançaram o fogo-de-artifício astuciosamente escondido para explodir 15 minutos depois de eu ter deixado cair o fósforo acabado de explodir no sofá regado com gasolina. Sobre a minha antiga casa, agora pouco mais que vestígios de carvão caindo, desfilou durante cinco minutosum espectáculo miraculoso de luz. Primeiro explosões vermelhas encheram o céu silencioso com desenhos antigos e inspiradores, depois raios amarelos escalaram o céu como trovões de Júpiter caindo mesmo em cima do lugar onde morava, como se a revolta divina tivesse escolhido o meu raio de acção como alvo, a seguir uma vasta luz verde encheu o céu com prados imaginários e o espectáculo pirotécnico terminou quando uma penetrante luz azul me cegou durante segundos.O céu ficou novamente negro e eu decidi partir enquanto a casa ainda ardia. Os bombeiros vêem a caminho e eu não quero que me encontrem. A aventura desejada está agora ao virar da esquina. Há muito que eu lutava para deixar a apatia em que a minha vida se tornou. Nunca antes na minha existência ela se apoderara de mim desta forma. Só em New York e nos tempos do Brasil estive tanto tempo parado no mesmo lugar como nesta minha estadia em Fuzeta, ainda que de vez em quando tenha saído para dar pequenas voltas em Portugal. Em New York estava animado, tinha um grande grupo de amigos e divertia-me à grande. Lá desenvolvi as apetências artísticas que julgo ter. Em Fuzeta, a localidade mais próxima do lugar onde tinha a minha casa, vivi completamente isolado, cultivando alimento para mim, comunicando raramente com pessoas. Ultimamente tenho-me tornado indolente, indiferente em relação à minha vida e ao que fazia com ela, mas hoje dei à minha própria existência uma volta de 180 graus. Estou de volta ao mundo dos vivos, de volta ao mundo dos aventureiros. Quero sentir de novo emoções devastadoras, afrontar perigos medonhos e calcorrear paisagens dramáticas sob uma lua ameaçadora. O sentimento de impotência que me esmagou durante estes anos voltava sempre a atirar-me para uma preguiça que antes me era desconhecidae fez-me vegetar, sem atingir a liberdade de acção que sempre cultivei e que sempre foi o meu principal objectivo de vida. A certa altura percebi que a segurança que a minha casa me proporcionava era mais aniquiladora do que a própria morte. Por isso fiz-me de novo à estrada. Nas vésperas do meu aniversárioa ssassinei a segurança perturbadora.


O desconhecido chama-me novamente para uma conversa com o imprevisível!


(ESCRITO A 2 DE AGOSTO DE 2013)

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