Os Diários Lunáticos de Zenit saphyr (P)

Regressava a casa vindo do meu trabalho às duas da manhã quando passei por um adorável casal de jovens que se beijava apaixonadamente em frente a um prédio. Eles estavam mesmo a comer-se à bruta, abraçados intensamente e segurando no pescoço um do outro, com a rapariga um degrau acima dele a dar-lhe uma despedida que prometia muito naquela relação. Eu continuei o meu caminho, um pouco mais sorridente por causa daqueles dois e, quando virei, cruzei-me com um homem alto e moreno que estava com as mãos enterradas nos bolsos de um sobretudo verde e com os olhos fixos postos atentamente nos amantes. Aquele voyeur parecia ser um homem parecido comigo, folgazão e jovial, sempre pronto para a brincadeira e para gozar com a vida. Estava completamente focado nos dois miúdos e nem sequer desviou os olhos deles quando me dirigiu palavra:
- Já viu aqueles dois ali? Estão há dez minutos na marmelada em frente ao prédio. Não podem entrar? Ao menos iam para ali - apontou para um ponto morto, onde eles teriam privacidade e ninguém os veria - e ele metia-lhe os dedos na cona, agora ali, não conseguem fazer nada! Há dez minutos que estão para ali aos linguadões. Já devem estar com a boca molhada, é o que eu lhe digo. Não acha? Eu acho que já chega, ele já devia estar pronto para pinar. É, mas é um pila mole. Eu já a tinha levado para casa. Ah, pode ter a certeza disso, ou então levava-a aí para um canto, para foder. Agora linguados à porta de casa durante quinze minutos? Onde é que isto já se viu?
As únicas reacções que eu consegui ter àquele discurso alucinado foram esboçar um sorriso e dizer “pois é” e “tem razão”. Nós estávamos numa zona pouco iluminada, por isso eles não nos poderiam ver. Ele nem me olhou e continuou o seu discurso com os olhos alucinadamente fixos neles. Parecia uma estátua tresloucada, revoltada com a juventude.
- Olhe, agora estão abraçados. Que fofinhos…se fossem mas é apanhar no cu!
Não consegui resistir à sua frase dita com uma ironia precisa e rebentei às gargalhadas. Pela figura dele, pela forma dele olhar para aquela situação, pela sua linguagem, pelo seu fixo olhar de louco. Felizmente ele pensou que eu não me estava a rir dele, mas sim dos amantes e, por isso, sorriu também, olhando-me pela primeira vez, enquanto fazia um gesto negativo de censura com a cabeça. Aquele parecia ser um abraço de despedida. Deram um último beijo e começaram a afastar-se. 
- Olhe, já se vai embora…Não conseguiu levar nada. - soltou uma gargalhada e depois gritou - és mas é um pila mole, meu rapaz.
Depois de ter mandado aquele insulto para o ar começou a rir às gargalhadas. O miúdo ouviu-o e olhou em volta, mas não nos encontrou porque estávamos protegidos pela escuridão. Ficámos em silêncio durante uns constrangedores vinte segundos e então o homem disse:
- Bem, vou até casa…
Eu disse-lhe adeus, ele foi-se embora e eu ainda fiquei mais 10 minutos na rua a passear e a pensar naquela excêntrica personagem.

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