Comiseração (23)

Nunca poderei ser um grande artista porque insisto na minha sinceridade envergonhada. Nunca sou totalmente sincero naquilo que digo e escrevo; escondo sempre coisas, muitas coisas que são tão terríveis que eu nem sequer sou capaz de as escrever para as apagar a seguir - sou completamente incapaz sequer de as escrever à mão numa folha, sabendo que depois a posso amarrotar ou até queimar. Quando me lembro de certos acontecimentos sou acometido por espasmos terríveis e tenho de agarrar a minha cabeça para que o cérebro não expluda. São recordações que existem apenas como torturas para povoarem a mente mutilada. Eu acho que para alguém escrever muito bem precisa de já ter vivido momentos angustiantes, em que a vida perde todo o sentido e resta apenas uma nuvem negra cheia de tormentas para acompanhar para todo o lado o corpo interiormente adormecido, mas esse escritor deve falar das suas mágoas com uma totalidade absoluta, sem medos, sem barreiras, disposto até a auto-humilhar-se, contudo eu não consigo libertar-me de um discurso vago, que fala muito por alto daquilo por que passei, usando generalizações e lamentos típicos, "oh tudo é tão triste, oh tudo é tão mau". MALDIÇÃO!

Nadir Veld

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