Comiseração (24)

Há uma imagem que, por mais que tente, não consigo apagar da minha cabeça:
- Uma mangueira sem qualquer mão a conduzi-la, perdida no chão, a brotar água abundante da sua boca copiosa para a terra, em que se vai formando um charco cada vez maior de água que já não consegue penetrar no solo de tão enlameado que ele já está e o meu cadáver estendido no chão junto da mangueira e da água e da terra. Estou em tronco nu e não tenho manchas de sangue à minha volta nem marcas de golpes no corpo, mas as manchas de sangue podem estar diluídas na água e as marcas de golpes podem estar nas minhas costas uma vez que estou de barriga para cima.
Sempre senti algo de muito natural quando estou a regar, como se fosse a única coisa que nasci para fazer, como se algo de mágico me unisse à água e à terra. Quando morrer a regar terei uma morte feliz.

Nadir Veld

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Contos Eróticos de Fernando Bacalhau (Alexandra Lencastre)

Dicionário com palavras pessoais

Não Gosto (XXVIII) - Joana de Vasconcelos