Comiseração (36)

Evito as salas em que se fazem grandes reuniões para tratar do meu futuro, simplesmente não ponho lá os pés e deixo que decidam por mim, que façam tudo por mim, aliás a minha presença lá só poderia prejudicar-me, uma vez que eu não consigo coordenar muito bem as palavras nem lembrar-me do que devo dizer nas situações mais cruciais, parece que a minha mente se congela, ou anda para trás, ou anda para o sítio oposto àquele em que todas as outras pessoas estão a ir, ou está a subir para o céu na direcção de um desértico vazio habitado apenas por pó de estrelas e é lá que pairo, acima de todos os outros, mas abaixo de todo o mundo, servindo servilmente os interesses dos poderosos apagando a minha intensa chama, abafando o clamor imenso da minha fúria justificada. Eu não tenho um carácter forte; sou completamente incapaz de traduzir os meus pensamentos e as minhas certezas em acções. Sou incapaz de impor o meu ponto de vista, tão grande é o meu ódio em relação às opiniões e às pessoas que têm certezas. Consigo ver cedo que as coisas não estão a tomar o rumo que eu quero que elas tomem, mas não sou capaz de alterá-lo; sou como um automobilista que vê que se vai esbarrar contra um obstáculo, mas que em vez de travar acelera, carregando a fundo no acelerador em direcção à morte certa.

Nadir Veld

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