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A mostrar mensagens de abril, 2016

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (25 de Abril de 2016)

Pela primeira vez em muitos anos passei o 25 de Abril longe de Portugal, onde o dia da Revolução dos Cravos é celebrado com grande pompa. Neste dia costumo ouvir as músicas anti-regime de Zeca Afonso, as músicas contra o estado das coisas do José Mário Branco e músicas melancólicas que lembrem esses terríveis tempos. Estava com o meu amigo Milorad a ouvir e a cantar de forma bastante emocionada a música Cantar de Emigração do Adriano Correia de Oliveira, cuja letra foi escrita em galego pela grande Rosalía de Castro e traduzida brilhantemente por José Niza quando ele me pediu para lha traduzir para inglês. Quando cheguei à parte Galicia, you stay without men, expliquei ao meu amigo Milorad que a Galiza era uma parte de Portugal, país pelo qual ele sabe que eu tenho um grande amor. Acrescentei ainda que a Galiza não faz parte de lugar nenhum e é uma comunidade bastante própria em Portugal. Disse que até tinham uma língua diferente, na qual o poema original tinha sido escrito. Com esta m

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (27 de Abril de 2016)

Hoje acordei sobressaltado às quatro e meia da manhã no meu quarto alugado numa zona quase central da cidade de Novi Sad na Sérvia. Senti um frio percorrer-me, como se um espírito gelado tivesse passado pelo chão do meu quarto em ascensão até ao tecto. Percebi que se tratava da própria Morte quando o calafrio mais frio que alguma vez percepcionei escalou pelo meu corpo um arrepio que eriçou todos os meus pêlos. Corajoso, abri os olhos e enfrentei-A. Finalmente o meu momento tinha chegado. Vivi uma vida maravilhosa, cheia de aventuras e conquistas. Tudo chega ao fim um dia. Esperei, mas, para meu grande espanto, nada aconteceu, os meus pêlos deixaram de estar erectos, o frio que me percorrera aqueceu. Continuei vivo. Comecei a pensar no que teria sido aquilo e fui completamente incapaz de dissociar aquele sentimento do sentimento negro da Morte. Não consegui mais adormecer, temendo que a Morte pudesse reaparecer a qualquer momento, Ela parecia ainda estar ali. Às sete e meia da madrugad

Segurança 322

De quarto para quarto há cores feitas de céu, Mas das esquinas surgem vultos que a vida perdeu, Sombras da morte que dançavam por trás do véu quando a comunhão em verde esperança sucedeu. Essas almas doentes e negras que a vida não viveu Trabalham incansavelmente para fazer do inocente réu

Não Gosto (46)

Não gosto quando alguém que eu conheço se esgueira por trás de mim e tapa os meus olhos com o intuito de que eu adivinhe de que pessoa se trata apenas pela voz. É um comportamento patético que eleva a pessoa que o pratica aos altares do mais inalcançável ridículo. Para além de ser muito incómodo uma pessoa ver-se privada daquele considero o mais importante dos sentidos, é bastante desagradável levar com as mãos de uma pessoa nos olhos, que, em princípio continuarão abertos. Já me aconteceu uma amiga minha, com as mãos geladas, esgueirar-se por trás de mim e perguntar-me com uma voz doce se eu sabia de quem se tratava. Eu disse que não só não sabia, como não queria saber, libertei-me das suas mãos e fiz-lhe entender que o nosso relacionamento chegara ao fim. O contacto de mãos geladas com a nossa pele é terrivelmente desconfortável e, a mim, pode levar-me à loucura. Ainda outro dia, passeava em Belgrado com o meu amigo Dušan, que usa óculos, quando uma sua amiga apareceu nas suas costas

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (18 de Abril de 2016)

Quando ignorei aquela moeda de um cêntimo que estava no chão sujo e molhado não podia imaginar que estava a cometer um erro crasso. Ignorei-a não apenas porque não me estava a apetecer inclinar-me para a apanhar, mas também porque havia pessoas a passar e eu, naquele momento específico, não queria passar pela vergonha de ser daquelas pessoas que se baixa para apanhar as moedas pretas deixadas no chão pelos outros. Mais tarde, entrei numa loja para comprar fita cola. Custava 45 cêntimos. Juntando todas as minhas moedinhas reuni 44 cêntimos. Amaldiçoei-me por não ter apanhado a moeda e paguei com uma nota de 20 euros. A senhora, simpática, não tinha notas, por isso encheu a minha carteira de moedas sobretudo de um euro, só me deu uma de dois, três dos euros foram obtidos da junção de seis moedas de cinquenta e creio que me deu três euros em moedas de 20. E é assim. A prova de que uma insignificância nos pode ficar a pesar na carteira, que agora carrego, muito pesada, no bolso de trás. At

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (19 de Abril de 2016)

Ouve-o, ele é o Grande Maestro Colocou as aves nas copas das árvores e fê-las voar com as primeiras canções que orquestrou as primeiras trovejadas Não sei o que fiz à pressa e devia ter feito lentamente nem o que fiz lentamente e devia ter feito à pressa. Se calhar ainda faço à pressa o que devia fazer lentamente e vou fazendo lentamente aquilo que devia fazer à pressa ou que devia até nem fazer, nem nunca ter feito, em altura da minha vida porque lhe chamamos (erronemente) tempo perdido, poupando (no futuro) e ganhando (no passado perdido) tempo para fazer o que tenho de fazer e o que deveria ter feito. Eu acho que o tempo não se perde nem se ganha, ele simplesmente continua numa corrente traiçoeira em que nos vemos à volta, sempre esperançosos. Onde quer que tu estejas estás sempre a perder alguma coisa noutro lado. Agora a casa está abandonada. Só eu estou nela agora, só eu estou nela agora, o que posso fazer quando todos os outros hóspedes me deixaram a possibilidade de n

Não Gosto (45)

Não gosto de igrejas que têm, nos seus altifalantes, sons do chocalhar de moedas para incentivar os crentes a fazer doações. As igrejas, por serem altas, fazem com que os sons que nela ocorrem ressoem de forma volumosa e sejam ouvidos em todo o lado de forma reverberante. Parece-me um acto fascista pôr o som do chocalhar de moedas em altifalantes para lembrar os crentes das doações que eles devem fazer, eternizando o estupidificante dízimo, que supostamente lhes abrirá as portas do céu. Usar o poder dos sons e das imagens para deturpar e alterar o pensamento de alguém faz-me sempre lembrar o livro 1984 de George Orwell, em que a sociedade era regida pelo Grande Irmão, um ditador sem escrúpulos.

Comiseração (57) (P)

Oh, meu Deus, os meus colegas de turma estão a tentar matar-me! Eles são tão desinteressados e cretinos de nova geração que o meu coração se arrepia com tamanha falta de consideração pelo conhecimento e desenvolvimento pessoal. A professora estava a exibir um filme e estávamos apenas quatro estudantes na sala, mas apenas eu e uma colega estávamos a prestar atenção ao filme que ela nos queria exibir para contextualizar historicamente o espírito eslovaco dos anos oitenta. Um dos meus colegas estava a ver vídeos no telemóvel com os seus auscultadores num volume tão elevado que incomodava a visualização do filme que todos devíamos estar a ver, mas que ele, com o seu espírito tacanho e energúmeno estava a ignorar enquanto soltava ocasionais gargalhadas estupidificantes para a atmosfera. Enquanto este gajo mostrava o seu desinteresse pela vida ignorando uma película histórica, outra das minhas colegas atirou a sua cabeça para a mesa e desistiu de ver o filme quando ainda passava a ficha técn

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (6 de Abril de 2016)

Imagem
Esta noite assaltou-me um assustador sonho. Mais uma vez, no limiar da realidade, surgiu-me uma imagem assustadora, uma possível imagem das trevas. Estava numa casa em Esztergom na Hungria, numa casa que não parecia partilhar com ninguém. Não sei se a aluguei, nem o que lá estava a fazer, também não sei se isso interessa muito. Estava à janela a ver a imponente Basília de Esztergom, Nagyboldogasszony és Szent Adalbert prímási főszékesegyház , que se ergue como um inacreditável Monte Olimpo alicerçada em sumptuosas colinas dóricas, a Igreja mãe das Igrejas da Hungria, como o faz perceber a inscrição em latim dourada e gigante num dos seus lados: Caput Mater et Magistra Ecclesiarum Hungariae , algo que pode ser traduzido para A Cabeça, Mãe e Mestra das Igrejas da Hungria. Não sei se existe mesmo uma casa com tão boas vistas para a Catedral, mas aquele em que eu estava, no meio do meu sonho, era um soberbo sítio para a contemplar. Era de noite e ouviam-se corvos corvejar gritos assustador

Gosto (59) P

Gosto de espalhar notícias falsas pelas avenidas de Lisboa e outros locais movimentados de Portugal. Já aqui falei sobre quanto gosto de mentir e enganar as pessoas, acho que, com isso, posso aprender bastante sobre elas. Um dos momentos mais divertidos da minha vida foi quando disse ao meu amigo, Ricardo Fonseca, na presença de duas senhoras idosas, junto a uma banca de jornais, por volta das cinco da tarde: "pois...isto agora com a morte do Mário Soares...". Disse-o exactamente no momento em que nos começamos a afastar, pelo que as velhas não me puderam confrontar com a minha afirmação nem perceber o que eu achava que ia acontecer com a morte de Mário Soares. Quando já estava a alguma distância, voltei-me e pude vê-las a olhar para mim e percebi que uma delas, a que ouvia melhor, possivelmente, estava dizer à outra o que eu tinha acabado de dizer. A velha tinha mesmo o ar de estar a dizer "ouviu o que disse aquele senhor? Morreu o Mário Soares!". Foi muito engraça