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A mostrar mensagens de outubro, 2015

Comiseração (31)

Oh meu Deus! O meu cabelo está a tentar matar-me! Está a abafar a minha nuca, provocando um calor insuportável no cérebro, que, sobreaquecendo, dispara em maléficos pensamentos potenciados em todas as direcções e o meu coração acaba sempre cravejado de setas e os meus olhos cheios de lágrimas. Mais que isso! O meu cabelo está a cair sobre os meus olhos com pontas espigadas, como aço, sim dardos de aço, a entrarem-me pelos olhos, perfurando lentamente a carne, mas se fosse só isso! Como palha, que me entra pela boca a todo o momento, então vejo-me com todo este cabelo enfiado na minha própria boca e não consigo evitá-lo, só dar por isso, não consigo evitar nada, só perceber que se passa o que se passa...Porque é que o deixo crescer? Meu Deus...Porque caralho deixo crescer o cabelo? Nadir Veld

Comiseração (30)

Quando cessarão estes longos períodos de loucura? Quando abrandará esta corrente que me arrasta? Será no alto-mar, entre os escombros do mundo destruído, num sossego apocalíptico? Ou numa ilha feita para um homem acordar, a Ilha em que os homens ressuscitam. Quanto terei de navegar sem rumo nesta tempestade para chegar a esse oásis? Quantos rios mais? Quantas mais noites tenebrosas... Há nesta ilha um morto que acordaste. HÁ NESTA ILHA UM MORTO QUE ACORDASTE! Nadir Veld

Comiseração (29)

O passadiço não é alto, leva só às marés debaixo, ainda que não seja de aço. As tripas traumatizam trazem cobras nas tranças das tipas. As chavalas têm a directoria do nosso coração. Nos dias de delírio e não só...Às vezes é assim, acordamos para delirar, dizemos três coisas profundíssimas entre as três milhões de coisas que pensamos. E raramente recordamos o que pensamos, Às vezes como se me trava o cérebro...Dói...Era só para falar de umas portas de comboio que abrem com ele em andamento...Épico salto final de um suicida, pensei eu, enquanto via um rapaz fumando um cacete para a noite imensa. Ele só podia ser um idiota porque estava a perder a droga para o vento, mas, que dizer desses gajos com alumínio na cana do nariz espetado, rastas malcheirosas e um desses cães de rua, cujo infortúnio de terem semelhantes donos lamento mais que tudo...ainda que eles às vezes descubram coisas...eles têm toda a droga do mundo...ensinaram-me a abrir as portas dos comboios e deram-me duas ou três ou

Comiseração (28)

Espero, porque esperar me leva a um lugar mágico de esperança onde ainda ecoam risadas de cristal. Entre o chilreio nos pátios iluminados de um jardim com bancos de mármore. Bancos para nos sentarmos a esperar. Sempre que encontro um branco, presto-lhe a minha homenagem, dando-lhe a graça de me sentar, esperando neles alguns minutos. Como quando nada se espera, nada poderá aparecer, acabo por desistir e sigo para o banco seguinte, ou para um degrau alto de um bairro lusitano e solto fumo pela boca e fogo pelos olhos. Muitas vezes estou à espera com uma fome dilacerante. Não penso no meu estômago, foco as pessoas, foco-as com mais força, mas não gosto que estejam a comer, isso acaba por ser tortuoso. E os cheiros? O odor a comida pode enlouquecer os estômagos vazios, garanto-vos! Em mim, alerta roncos e eu vejo a carne assando à minha frente...Ah...A fome...a vida...os dias...a espera...a longa espera pela morte solitária. É isso a vida? São só horas passando, ocasionalmente coloridas p

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (8 de Novembro de 1991) P

 Está um cigarro esborrachado em cima da folha em que estava a escrever. Os restos de tabaco, castanhos, estão espalhados inutilmente em cima da superfície branca, entre as minhas palavras...Ainda se eu tivesse uma mortalha, poderia voltar a dar-lhes vida...era o meu último cigarro...e agora está inutilizado...estava a escrever freneticamente, como é meu apanágio, completamente embrenhado no meu fluxo de ideias, quando decidi fumar o último cigarro, tirei-o, mas tive uma nova ideia, por isso pousei-o, recomecei a escrever, saíram-me para aí duzentas palavras de uma vez só. Pousei a caneta, fiquei a olhar, orgulhoso, para o que tinha escrito. "realmente é uma excelente maneira de ver as coisas", pensei. Peguei no cigarro, coloquei-o entre os lábios, fechei os olhos saboreando todas aquelas palavras da minha criação e comecei a acendê-lo. Ainda antes de dar o primeiro bafo no cigarro, tive uma nova ideia, mais brilhante ainda, agarrei na caneta e atirei-a com toda a força da mi

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (25 de Outubro de 2015)

Ultimamente tenho-me queixado demasiado do facto do Nadir ser uma parte de mim...A culpa é minha, fui eu que o criei...Foda-se, é minha...O que me enlouquece mais extraordinariamente é eu não me ter lembrado de conceber uma personagem intermédia...para quê ir logo ao outro lado? Zénite e Nadir, há algo entre eles, bem no mundo metido...Talvez um Deus que cria personagens nos céus...Onde estará esse Deus cósmico? Tenho de o conceber também a ele...

Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (27 de Outubro de 2015) P

Estou a insistir no frio enquanto penso que nada partilho...Eu próprio embrenhado em negócios esgotantes que até me impedem de escrever...Vou deixar a Catalunha hoje, repete-se o que aconteceu em Fuzeta há uns anos. Para mim...acabou...sim...esta vida de contrafacção e temores policiais...bom...não foi mau de todo e deu-me vontade...sim...mas mais tarde...agora vou descansar, tirar umas merecidas férias e movimentar-me-ei com determinada resolução...depois de passar um tempo...até eu...demasiado velho para...demasiado velho para...NÃO...ainda sei como viver...não posso insistir nesta comiseração que me é alheia...que me foi transmitida por más vibrações que eu próprio vibrei para a atmosfera a meu redor...como se fosse putrefacta...sim...a minha sombra putrefacta...aquele Nadir, sempre a consumir-se como num inferno, martírio em chamas eternas, sem o corpo morrer, imaginem! Sem o corpo morrer...a pele queimando dolorosamente, os ossos carbonizados, desfeitos em pó negro, dentro do cor

Comiseração (27)

Oh, Meu Deus! O meu organismo está a tentar matar-me! Tenho um sabor horrível e intoxicante na minha boca que parece provir da minha própria saliva, como se de um momento para o outro ela se tivesse transformado no fel mais amargo do mundo. O meu organismo está a produzir veneno e eu engulo sem pensar esta cicuta para o meu coração parar! Que horror, que sabor terrível na língua, meu Deus, todos os factos do mundo me querem matar. Nadir Veld

Comiseração (26) (P)

Está um calor infernal em pleno Outubro, mas as pessoas andam de agasalho e parece que só eu o sinto! Como é possível elas não estarem todas suadas debaixo dos seus espessos casacos se eu estou e nada mais tenho em cima da pele que uma finíssima t-shirt , calções e chinelos? Será que Deus me quer cozer? É isso, só pode ser isso, não pode haver outra resposta! Deus quer que eu morra cozido para já estar pronto para ser comido pelos canibais que me vigiam constantemente, eles só vão precisar de espetar o garfo, nem precisam de pôr tempero, eu já tenho sal que chegue e, não raras vezes, a mostarda chega-me ao nariz! Os canibais estão prontos para me devorar, mas eu não os vou deixar, não, não, nem pensem nisso, caríssimos! Quando me sentir desfalecer vou tirar tudo o que tenho dentro do frigorífico, incluindo as prateleiras, e vou-me meter lá dentro! Venham cá buscar-me agora, seus salafrários! Ahahahaha. Ah, sim, vai ser tão bom, depois de todo este horror em quentes temperaturas revela

Comiseração (25)

O meu peito está a tentar matar-me, tenho a certeza! Ele hoje rugiu como não rugem cem mil sarcófagos e um império de mortos erguidos dos seus túmulos mil anos depois! Ele hoje rugiu e sentiu mais trevas que um desfile de amputados em busca de membros biónicos. O meu peito é o impulsionador principal dos meus saltos convulsivos, não são as minhas pernas; as minhas pernas nem sequer têm a opção de não saltar. É o meu coração que dirige os meus saltos! Salto a partir do meu peito, é ele que me quer matar! O meu cérebro está a tentar matar-me, também! É ele que dirige e controla as minhas convulsões! É dele que partem e descem numa onda eléctrica as minhas recordações humilhantes feitas energia cinética que criam movimentos surpreendentes, que me apanham desprevenido e deixam toda a gente a olhar para mim. "Está tudo bem, não se passa nada, lembrei-me que me esqueci de uma coisa". Falo sempre com segurança, mas a negra cortina está cada vez mais cerrada em frente dos meus olho