Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (8 de Novembro de 1991) P

 Está um cigarro esborrachado em cima da folha em que estava a escrever. Os restos de tabaco, castanhos, estão espalhados inutilmente em cima da superfície branca, entre as minhas palavras...Ainda se eu tivesse uma mortalha, poderia voltar a dar-lhes vida...era o meu último cigarro...e agora está inutilizado...estava a escrever freneticamente, como é meu apanágio, completamente embrenhado no meu fluxo de ideias, quando decidi fumar o último cigarro, tirei-o, mas tive uma nova ideia, por isso pousei-o, recomecei a escrever, saíram-me para aí duzentas palavras de uma vez só. Pousei a caneta, fiquei a olhar, orgulhoso, para o que tinha escrito. "realmente é uma excelente maneira de ver as coisas", pensei. Peguei no cigarro, coloquei-o entre os lábios, fechei os olhos saboreando todas aquelas palavras da minha criação e comecei a acendê-lo. Ainda antes de dar o primeiro bafo no cigarro, tive uma nova ideia, mais brilhante ainda, agarrei na caneta e atirei-a com toda a força da minha escrita contra a folha. Era o cigarro. Esmagou-se todo, rasgou o papel e o tabaco saíu para fora das suas bordas. O que eu tinha na boca era a caneta com a ponta carbonizada. Em pânico, levei-a ao papel. Estava seca. Já não ia escrever mais. Continuei a tentar, mas só arranhava o papel, o que me fazia escalar pela alma um sentimento arrepiante, como se ela própria estivesse a ser arranhada. Graças a Deus, em casa do poeta não faltam canetas. Tabaco é que Deus já não arranja...

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Contos Eróticos de Fernando Bacalhau (Alexandra Lencastre)

Dicionário com palavras pessoais

Não Gosto (XXVIII) - Joana de Vasconcelos