Entrevista a Zenit Saphyr

Vítor Jara - Sente-se um fugitivo da vida? Anda a fugir de alguma coisa?
Zenit Saphyr - Essa é uma pergunta difícil e algo contraditória até, eu diria. Não ando a fugir de nada, certamente. Assumo as responsabilidades por todos os meus actos, não digo que não me arrependa de alguns e aliás isso pouco ou nada tem a ver. Não há nada que eu tenha feito que eu não assuma como acto meu. Quando me pergunta se sou um fugitivo da vida pode referir-se a muitas coisas...É certo que fugi à vida que estava destinado a viver porque sempre me recusei a ficar onde estava. Acho que ficar mais de três meses no mesmo lugar, dia após dia acabando sempre a dormir na mesma cama, no mesmo conforto, é desprezível. Sou incapaz de viver com a rotina e pensar..."Então a vida é isto e vai ser assim para sempre". Isso assusta-me. Quando olho e vejo que isso pode estar a acontecer-me vou-me embora, sem olhar para trás.Às vezes digo, baseando-me em Blake que a estabilidade é uma tia velha e solteirona que molha no chá biscoitos de Prudência e impinge os seus cozinhados a toda a gente que já está farta. Sou um fugitivo da vida vivida nos padrões tidos como normais, mas padronizar a vida é uma enorme idiotice. Não quero estar preso aos meus filhos ainda que tenha muitos por aí...Eu não fui grande peso para a minha mãe e não tive pai...Desde criança que ando por aí mais ou menos sozinho, convivendo com outras pessoas, evoluindo-me a mim e aos que me rodeiam, sobrevivendo cheio de força nas tormentas da existência.
Joana Dias - Num poema seu diz "sou o vento que abana as tuas árvores, enquanto não sou a rajada que as arranca". Pode falar-me sobre isso?
Zenit Saphyr - Não.
Joana Dias - M-mas?
Zenit Saphyr - Não gosto de explicar directamente o que escrevo, citando exemplos e falando abertamente sobre os meus próprios escritos. Não me sinto à vontade. Tudo o que escrevo, para mim, pessoalmente, só tem valor no momento exacto em que está a ser escrito. Nesse momento seria capaz de falar sobre o que escrevi. Agora, passados vários meses, é-me mais difícil, até porque não quero cair no erro de dar uma explicação que nada tem a ver com o meu verdadeiro intuito e, se eu não disser o que quero dizer, as pessoas que quiserem podem interpretar o que eu digo como bem entenderem. São só palavras. Elas vão ficar aí a repousar, marinando na eternidade. Eu qualquer dia sou pó. Sou esquecimento, tudo o que eu escrevi vai ter, ou não, de sobreviver sem o meu apoio...Isso até tem a ver com a resposta à pergunta do Vítor Jara. Os meus escritos são os meus filhos, depois de os ter dado ao mundo não quero saber mais deles. Eles simplesmente terão de encontrar o seu caminho.
Joana Dias - Eu interpreto esse excerto como o afirmar do seu sentimento profético sobre os demais. Há muito tempo que o senhor Zenit se considera um profeta e o diz abertamente...
Zenit Saphyr - Um profeta é alguém que abre as portas para o futuro. Nesse sentido considero-me um profeta, sim. Por estar à frente no tempo, ou simplesmente fora dele, posso abrir caminhos e desvendar trilhos inimagináveis.
Joana Dias - Ok. Então nessa frase as árvores simbolizam aquilo que as pessoas têm como adquirido, são uma metáfora da imobilidade. O seu sopro é a sua palavra, pronta a abanar o que está parado e a arrancar pela raiz o que está estático.
Zenit Saphyr - Eu não me deteria muito nessa frase específica. Tudo o que está escrito tem para mim o mesmo valor...Na verdade já nem me lembrava de ter escrito isso. Essa sua explicação é muito aceitável e interessante...Deixa-me elogiado. Obrigado.
João Sousa - E Nadir Veld, o seu heterónimo?
Zenit Saphyr - Por agora interessa-me mantê-lo vivo, mas ele está destinado a morrer em breve...Inebria-se todas as noites com maus vinhos e drogas sem qualidade, e depois balbucia o que o deixa intranquilo e fica preso nisso, não consegue ir além...nem resolver o problema, nem ultrapassá-lo...está lixado. Vive uma morte certa, resta saber quão lenta vai ser essa morte.
João Sousa - Sente-se um bocado como Jorge Jesus neste momento...?
Zenit Saphyr -
É engraçada essa pergunta que você está a pôr-me.
Ezequiel Rodrigues - Li os seus textos sobre utopias. Creio que tudo o que pode haver sobre utopias são livros, uma vez que a própria definição da palavra impede que estejamos num lugar que não exista, pelo menos fisicamente. A minha questão tem haver com a forma como os mundos imaginários podem ser...(interrompe)
Zenit Saphyr - Em todos os mundos imaginários há sol e água, dois requisitos para o funcionamento mesmo das civilizações hipotéticas criadas por grandes mentes. Noite conjuga água com luz e os reflexos de todas as gerações são os mesmos há milhões de anos, é a busca do brilho que nos dá a Vida seja de que forma for. Rastejamos como cobras, ou, escondidos da borrasca, aguardamos a passagem dos veados enlameados e atrasados pela confusão e saciamos a fome como leões, desejosos de não sermos baratas ou formigas, nós em homens (porque infelizmente ainda é só com vocês que posso falar) queremos deter o máximo poder e todos o podemos ter por um instante. A consciência de sermos nós permite-nos voar para lugar nenhum, mas ainda assim isso faz sentido na históra e se não fizer tem que passar a fazer...Está enclausurado em nós sermos nós, por muitos disfarces que punhamos alguma vez havemos de ficar nus...(gargalhada).
Ezequiel Rodrigues - Não percebo o que pretende dizer com várias coisas. Eu gostei da dissertação sobre todos nós que somos viventes neste planeta que o senhor julga amaldiçoado...Mas muito do que diz não me parece fazer sentido, ou eu não percebo, não consigo alcançar aquilo que quer dizer...
Zenit Saphyr - Nada é inalcançável, meu irmão...Muito menos os pensamentos de um louco. Eu vejo esses problemas dementes bem mesmo à minha altura e olho-os nos olhos como se fossem importantes ou tivessem de ser solucionados...Já me chamaram um conquistador do inútil, mas pelo menos não sou fútil, para usar uma rima fácil...Às vezes acho que vale a pena acompanharem-me, às vezes só me apetece fugir...e é assim a canção do mundo.

Marco Rodriguez - Sempre teve a capacidade de ver as coisas exactamente como elas são em meros instantes ou essa capacidade foi trabalhada durante décadas de estudo profundo? Se amanhã encontrasse uma situação completamente nova e inesperada, composta por elementos desconhecidos, conseguiria compreendê-la imediatamente e reagir a ela da forma mais apropriada?


Zenit Saphyr -
Essa clarividência, palavra que não cita, permite-me realmente planar nas asas do mundo e do inesperado, posto de forma simples...Falei de clarividência porque isso me permite responder à segunda pergunta, mas já lá vamos.
Se sempre tive essa capacidade? Essa é uma pergunta que não se pode colocar, nem o momento da iluminação sei nomear. Compreendo por momento da iluminação aquele instante da vida em que percebemos absolutamente quem somos e o que queremos ser...isso não bate às portas de todos...É preciso sorte e...estar no sítio certo...as pessoas a quem isso raramente acontece são azaradas...eu soube aproveitar as minhas experiências...fiz delas conhecimento puro, mesmo no início da minha vida, antes de fugir para os índios...e viver com eles tantos anos mudou extraordinariamente a minha visão...tinha comigo dois mundos...e eu tento sempre fugir dos mundos que vêm atrás de mim e por isso não volto aos lugares onde estive já...Todas essas coisas ajudaram-me a adquirir a capacidade de ver tudo o que se passa ao alcance da minha vista...Ter consumido todo o tipo de drogas também ajuda...Quando penso no momento em que a certeza do que queria para a minha vida se tinha abatido sobre mim, foi quando abandonei o meu filho e fugi da aldeia índia rumo a alguma liberdade...essa liberdade e o rumo a um qualquer lugar imaginário e inalcançável tornou-se o meu triste objectivo...Ler muitos livros e contemplar muitos filmes antigos também me fez ultrapassar as extensas barreiras da compreensão.
Quanto à segunda pergunta a resposta é simples...a clarividência dá-me para tudo...queria dizer isto JÁ REPAROU QUE O CÉREBRO HUMANO POTENCIA 900 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 000 999 DE PERCEPÇÕES DISTINTAS OU TALVEZ MAIS! JÁ REPAROU QUE QUANDO SAI À RUA PODEM ACONTECER COISAS TÃO DISTINTAS COMO ENCONTRARMO-NOS, OU NÃO, CASO ISSO ACONTECE PASSARMOS OS VISTOS LEGALIZADOS COM A MÃO DIREITA OU A ESQUERDA. TUDO É CAMBIANTE E DISTINTO, MAS TUDO PODE SER DESCODIFICADO...E É ISSO QUE EU FAÇO...SIGO DESCODIFICANDO OS CANAIS DA VIDA PARA PODER FLUIR EM SENTIMENTO PARA O ESPAÇO...
Quais são os elementos novos que tem para mim, senhor Rodriguez? Quero ver se nunca pensei neles...Se for algo novo posso ceder, mas enquanto não acontecer tenho um super-poder.

Marco Rodriguez - Os elementos novos são infinitos, pois a cada dia a ciência progride e novas mentes e mentalidades nascem por todo o mundo. 
Se o Senhor possui realmente essa clarividência total então isso significa que, em teoria, o senhor tem a possibilidade de ser imortal, pois se está em perfeita sintonia com o seu corpo em todos momentos, teria a capacidade de ingerir os nutrientes necessários, na quantidade exacta, para nunca deixar a parte física do seu ser perder qualidades e assim conservá-lo para todo o sempre ou, pelo menos, atingir o recorde de idade para um ser humano. É este um dos seus objectivos?


Zenit Saphyr - Ter um conhecimento geral do que me rodeia (perceber os momentos todos nos olhos das pessoas porque elas espelham sempre as amarguras e as esperanças) não quer dizer que eu seja capaz de saber quais os ingridientes que deva comer para ser eterno...isso é absurdo...Então não houve génios até hoje porque nenhum percebeu a comida certa que devia comer, uma vez que ninguém anda perto de ser eterno...tenha um pouco de juízo e compostura, homem..De momento não, ainda não pensei se num dos meus objectivos, alcançar a eternidade está incluido...sou demasiado novo para pensar nisso (eu vivo com risco)...obviamente já pensei em ser eterno, poderia tornar num dos grandes senhores do mundo... não me contento a viver apenas eternamente numa inscrição numa lápide branca e fria de mármore...Eu sou o que vou sendo...tenho-me safado com inteligência e consegui fazer da minha vida exactamente aquilo que queria...As lendas sobre como se pode ser eterno são inumeráveis...e não é preciso ser-se asceta ou consumir os ingredientes certos para se ser eterno...para isso é preciso sorte...Contaram-me uma lenda, na Turquia, de um velho sábio muito rico que sempre que adormecia esperava ser acordado pelo sedutor odor do haxixe trazido por nove gerações de criados que lhe levavam charros acendidos por eles antes do Senhor acordar...Segundo a lenda ele terá vivido mais de quinhentos anos. Mas não foi eterno e não anda por aí para que o possamos comprovar...Mas mesmo esse velho sábio, se ele alguma vez existiu, acho que nunca quis verdadeiramente ser eterno...porque se ele quisesse ter sido eterno tê-lo-ia sido, creio que isso é óbvio...Viveu mais, mas não viveu eternamente...eu não quero ser eterno porque não me quero tornar num dos Grandes Senhores do Mundo (que têm mais de mil anos)...Eu quero viver a minha vida tranquila o máximo de tempo que as estrelas me permitirem, depois expirarem sob o seu brilho e serei embalado pelas ondas numa mortalha com o meu corpo...porque é assim que o mundo acaba, é assim que o mundo acaba, é assim que o mundo acaba, é assim que o mundo acaba...tem mesmo de acabar...
Quer que faça uma idealização? Gostava de passar os cem últimos anos da minha vida numa cabana tranquila à beira-mar em qualquer mar do Mundo com um sossego miraculoso de estrelas só para mim...e depois o mar levar-me-ia no dia do meu 500 º Aniversário...Esse é um dos meus grandes sonhos, irrealizável, mas sonhos não me faltam...


16 de Fevereiro de 2018
Joana Dias - Num texto sobre Deus escreve "Alcatroámos o mundo, mas ainda não fizemos escadas para as estrelas". Acha que essas escadas alguma vez existirão? Acha que elas podem ser reais? É possível ligar os homens a Deus? Ele existe?
Zenit Saphyr - Bom, muitas perguntas interessantes, para as quais não tenho grande resposta. Eu não digo que seja ou não possível, nem digo que Deus exista, acho isso irrelevante. Quando digo que alcatroámos o Mundo, mas ainda não construímos escadas para as estrelas estou apenas a referir-me ao facto de menosprezarmos o nosso lado místico e darmos mais relevância à realidade. Isso não é necessariamente mau, mas é um facto. Contudo, o que eu pretendo, acima de tudo, é, mais uma vez, criticar a Religião e ser duro em relação a eles, diminuir o seu trabalho, alegando que foi mal feito, deixando isso implícito. Quando digo que "ainda não construímos uma escada para as estrelas", pretendo acusar todos os agentes religiosos mundiais de estarem a vender patranhas e falsidades. O caminho para as estrelas"não pode ser esta imposição terrível de homens em cruzes, jejuadores mensais, Deuses mimados que querem ser só eles o Deus, circuncisões, mutações genitais, privações de liberdade, rezas em línguas desconhecidas. Isso não são "escadas para as estrelas", muito pelo contrário. São obstáculos para a liberdade e para a paz mundial. Estas religiões estiveram toda a sua existência a negar Deus ao homem, impondo-lhe uma deturpação falsificada para os seus proveitos. No fundo é isso que eu quero dizer: "Todas as religiões do Mundo, ide-vos foder, tendes feito um péssimo trabalho".

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Contos Eróticos de Fernando Bacalhau (Alexandra Lencastre)

Dicionário com palavras pessoais

As Mais Belas Palavras da Língua Portuguesa