Comiseração (64) P

Enquanto regressava a casa de um passeio de bicicleta, reparei que as raparigas que por mim passavam me seguiam com os olhos com aquilo que me pareceu ser um genuíno interesse. A certa altura, quando passei por duas jovens universitárias, tive de ser muito céptico para me convencer que não se lhes aflorava nos lábios um tímido sorriso. Pouco depois, enquanto avançava no passeio, passou por mim um carro com duas raparigas e foi nesse momento que todas as minhas dúvidas se dissiparam. A rapariga que vinha no banco do pendura não só vinha sorridente a olhar para mim como comunicou à amiga alguma coisa que, segundo os seus gestos, me pareceu relacionar-se comigo. Como um pouco mais à frente havia uma rotunda acelerei o ritmo das minhas pedaladas porque era muito provável que elas abrandassem e eu pudesse passar na passadeira à frente delas. Consegui fazer o que inteligentemente previra, elas cederam-me a passagem e pude confirmar que me olhavam, de facto, sorridentes de dentro da viatura. A minha confiança aumentou imenso, impulsionada por aqueles sorrisos marotos. Comecei a questionar-me o que estaria diferente no meu aspecto, para quase todas as raparigas sorrirem para mim à minha passagem, quando normalmente nada mais exteriorizam em relação a mim a não ser um frio desprezo. Seria do meu cabelo forte voando ao vento, seria das minhas pernas mais musculadas que nunca ou seria da minha barba aparada? Fosse o que fosse parecia deixar as raparigas extremamente agradadas, pois foram-me brindando todo o caminho com sorrisos que me surgiam como estrelas que timidamente apareciam no fim de uma longa noite marcada por uma treva imensa. Dirigia-me rapidamente para casa em vez de meter conversa com uma dessas apetitosas ninfas porque me convenci que estava com pressa, quando na verdade estava só com medo de abordar miúdas que não conhecia. Quando cheguei a casa corri para o espelho, cheio de confiança. Nesse momento nem eu conseguia esconder um sorriso de esperança, a porta estava aberta para a esperada mudança. Mal os meus olhos se encontraram no reflexo do espelho vi-me muito mais bonito do que sempre me julgara, motivado pela cega confiança que os sorrisos das raparigas em mim depositaram, contudo, quando me voltei, reparei que o meu casaco tinha um enorme rasgão no flanco esquerdo. “O lado esquerdo que estava voltado para a estrada quando eu e as raparigas do carro andámos lado a lado”, um turbilhão de horríveis pensamentos alucinanantes escalou o meu cérebro, enquanto me apercebia que todas as raparigas haviam visto o meu casaco roto. A visão do meu casaco dilacerado atingiu-me como um terrível trovão no coração. A minha confiança escoou-se instantaneamente para o lugar profundo que sempre habitou. Elas não se estavam a rir para mim, elas estavam a rir-se de mim…Uma pequena diferença semântica que fez com que deixasse me ver como um Casanova em projecção, para passar de novo a ser um candidato a mendigo roto e porcalhão.

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