Não Gosto (101)


Acho tremendamente injusto que o treinador adjunto da Croácia, Ognjen Vukojević, tenha sido despedido e recambiado para casa, enquanto o futebolista Domagoj Vida não só tenha continuado com a equipa como tenha jogado a meia-final do Campeonato do Mundo de 2018 na Rússia. Toda a gente que viu o Croácia-Inglaterra na meia final da competição notou que sempre que a bola ia parar aos pés do central croata se ouvia um coro de assobios. Na transmissão que acompanhei, na RTP 1, canal público português, os comentadores, talvez politicamente inconscientes, disseram que esses assobios provinham dos adeptos ingleses, que, supostamente, pretenderiam desmotivar os jogadores croatas de forma geral. Estes comentadores amadores nem sequer notaram que os assobios se dirigiam especificamente a Domagoj Vida - grande parte do comentário desportivo em Portugal é feito por tipos que não são capazes de interpretar uma imagem, quanto mais uma imagem fundida com som…mas isso são contas de outro rosário. 
Os adeptos que assobiaram Vida não eram ingleses, eram russos! Depois do jogo dos quartos de final em que a Croácia bateu a selecção anfitriã, Domagoj Vida e o treinador adjunto da Croácia fizeram um vídeo em que se pode ouvir Vida a gritar “Слава Україні” (Slava Ukraini - Glória para a Ucrânia em ucraniano), enquanto Ognjen Vukojević diz em croata que a vitória é dedicada ao Dynamo (de Kiev) e à Ucrânia. Isto é uma clara provocação com intuitos políticos, algo que a FIFA proíbe expressamente. A Ucrânia está num conflito com a Rússia e estas saudações não podem ter outra intenção a não ser a provocação aos russos. 
Esta questão é super complexa e eu não sei ao certo que opinião ter. Por um lado a Rússia invadiu parte da Ucrânia e tentou exercer a sua influência de forma brutal, por outro a Crimeia (região ocupada e anexada) sempre foi russa. Nos últimos 1000 anos só nos últimos 60 é que a Crimeia foi Ucrânia, depois de ter sido cedida aos ucranianos por um presidente bêbedo e patético. Se de um lado há Vladimir Putin, um presidente despótico e autoritário que não tem problemas em arrasar opositores, no outro há muitos ucranianos ultranacionalistas e quase nazis, tanto que “Slava Ukraini” tem fortes conotações fascistas. 
O que me irritou mais neste caso foi haver dois pesos e duas medidas. Se o treinador Ognjen Vukojević foi despedido e multado pela FIFA, porque é que nada aconteceu a Domagoj Vida que até aparece num outro vídeo de celebração a dizer “Beograd Gori” (Belgrado em chamas)? Vida fala claramente com um tom agressivo e violento, mas que passou impune, apesar de o jogador parecer um fascista…
Isto faz levantar imensas perguntas. 
Será possível querer realizar um evento desportivo em que países se confrontam sem que os conflitos entre eles venham à baila? (o que Maradona fez à Inglaterra enfurecido pela questão das Malvinas em 1986 foi lindo)
Será que os jogadores devem aproveitar este palco privilegiado para denunciarem abusos e opressões? 
Será possível abafar a cólera de certos povos que se sentem oprimidos quando muitas das pessoas que vão ver estes jogos são hooligans? (lembro-me de Ivan Bogdanov, um hooligan sérvio que estava proibido de ir aos estádios, mas apareceu naquele célebre Sérvia-Albânia em que os adeptos sérvios cantaram “Ubij Ubij Šiptara” - morte aos albaneses - enquanto tocava o hino albanês e passaram grande parte da partida a atirar objectos aos jogadores albaneses, num jogo que acabou por durar apenas 41 minutos até o estádio ser sobrevoado por um drone transportando uma bandeira da Grande Albânia, projecto expansionista albanês em que este país anexaria territórios da Sérvia, Bulgária, Macedónia, Montenegro e Grécia onde existem minorias albanesas)
Será possível que estes confrontos acentuem as rivalidades já existentes e redundem mesmo num aumento do ódio? Ninguém gosta de perder - nem a feijões, como diz o ditado - por isso é possível que uma derrota humilhante despolete a raiva que já existe e leve a situações de violência (Em 1969 El Salvador e Honduras envolveram-se naquela que ficou conhecida por A Guerra do Futebol - já havia tensão entre estas duas nações vizinhas da América Central, mas depois de três jogos entre elas para a qualificação do Campeonato do Mundo de 1970, rebentou uma guerra que teve mais de 2000 mortos, sobretudo civis)
Ainda faz sentido, em 2018, continuar a haver uma competição que coloca frente a frente nações? (Acho que já chegámos a um ponto em que o nacionalismo só pode ser olhado com desconfiança e deveríamos envidar esforços para atenuar cada vez mais esses factores de diferenciação entre as pessoas do mundo, que, no fundo, são todas iguais, seres humanos em todo o lado…Haver uma competição em que países se confrontam só pode aumentar esse fosso que existe entre os povos e incita a discursos do género “nós contra eles”.)
São tudo questões demasiado complexas a que ninguém poderá responder, por isso resta-nos arregalar os olhos, fazer uma careta e deixar andar o mundo para ver onde vai parar…

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