Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (15 de Outubro de 1972)

Puxou a cortina e a porta fechou-se, com aquela separação o mundo desabava. Comecei a correr em direcção a uma das casas semi-abandonadas que rodeavam a aldeia. Não queria ser interrompido na minha correria desenfreada, mas apareceu o Coté:
- Pô, Zênite! Onde vai você correndo assim?
Devia estar lívido e amedrontado, mas fingi para o Coté que estava muito bem, que ia ter com um amigo qualquer e já estava atrasado. Coté lançou-me um sorriso condescendente, como quem diz "Já te conheço...". Eu agradeci-lhe e retomei o caminho como se nada fosse.
Levantei um tampo posto no chão a um canto onde outrora fora a sala e tirei as minhas poupanças de uma pequena caixa de madeira. Espalhei o pouco dinheiro por bolsos e coloquei o meu apito prateado na boca. Soprei. O som espalhou-se no céu e eu esperei, enquanto o imaginava afagando as nuvens. O cão Jeremiah, a que eu chamava apenas Jer, apareceu correndo ao meu encontro para me abraçar. "Vamos, Jer, não temos tempo a perder".
Tomámos aquele caminho porque aquela casa já estava fora da aldeia, não íamos voltar a entrar na aldeia, aquele caminho também dava, todos os caminhos davam. Estava possuído por uma tentação do erro. Segui às cegas por um caminho que me forcei a percorrer. Foi a minha vida, foi a minha história. Por mais vezes que pense por que fiz isto, por mais vezes que relate para mim mesmo os eventos desse dia de forma detalhada, jamais conseguirei compreender porque fugi de minha mãe, porque fugi da sua protecção, do meu futuro planeado. Nunca pensei nisso nos termos de certo ou errado...Nada é certo ou errado pela minha experiência...tudo é e acontece e nós não podemos fazer nada, porque estamos cegos pelo impulso do momento. Quantas pessoas não destruíram as suas vidas por um impulso momentâneo? Os nossos erros destroem vidas. E eu continuo aqui, a cometê-los estupidamente, quase 50 anos depois em vez de ir para uma cova descansar.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Contos Eróticos de Fernando Bacalhau (Alexandra Lencastre)

Dicionário com palavras pessoais

Não Gosto (XXVIII) - Joana de Vasconcelos