Comiseração (XII)

Eu acho que sou esquizofrénico. Uma vez disseram-me que eu era esquizofrénico, mas não foi nenhum médico. Eu só sei que não estou bem. Existem duas vozes em constante confronto dentro da minha cabeça e nenhuma delas me pertence totalmente, ainda que nenhuma delas me seja totalmente exterior, também. Parece que essas vozes me pertencem a meias com um psicopata que se conseguiu instalar dentro de mim e modificar os meus raciocínios para gáudio dos meus inimigos, que agora me vêem soçobrar pelas ruas, incapaz de tomar uma decisão sem que uma dessas vozes loucas se levante contra a outra e me deixe completamente baralhado sem poder agir, com os olhos vazios arregalados fitando o nada e as minhas mãos arrastando-se perdidas pela minha cabeça, tentando tranquilizar-me através de auto-afagamento, mas não há sossego há vista para este cérebro cada vez mais cheio, cada vez mais atafulhado com dores, humilhações e mágoas e ele já não tem repouso, por isso parece que se agita e treme como um tremor de terra no crânio e bate nas paredes da cabeça esmigalhando-se em líquido lá dentro que pensa de forma cada vez mais rápida e terrível e as imagens e recordações das piores coisas vão-se sucedendo a ritmo alucinante... Se ao menos uma das vozes se calasse podia ser que eu conseguisse recuperar a minha personalidade, ou parte dela, porque estas duas vozes antagónicas se estão a aniquilar uma à outra lentamente, mas antes de se conseguirem extinguir completamente, conseguirão que eu desapareça como um fantasma numa esquina, como uma coisa que nunca deveria ter existido. A morte libertar-nos-á, a morte libertar-nos-á.

Nadir Veld

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