Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (24 de Junho de 2015)
Quando acordei, por volta das sete da manhã, dei algumas voltas na cama para voltar a adormecer, mas pensamentos tormentosos enchiam-me a cabeça e eu não me conseguia acalmar convenientemente. Estive ali às voltas uns vinte minutos, altura em que se começaram a formar umas frases muito interessantes na minha cabeça, coisas que eu devia escrever, para continuar a elaboração de um projecto antigo. Excitado, levantei-me e fui para a minha mesa de trabalho onde estava o caderno, mas para meu espanto desapontado, não havia caneta. Levantei o caderno, olhei em volta. Ela não estava ali.
Então comecei a pensar para mim "onde é que raio deixei a caneta? A última vez que a deixei, estava aqui, de cima do caderno, onde escrevo as minhas coisas, o sítio óbvio dela..." sentia alguma raiva contra mim mesmo, que ia libertando no fluxo de consciência típico de alguém frustrado que procura uma coisa que perdeu e que precisa eminentemente de encontrar e, ainda por cima, sabe que deve estar nalgum sítio próximo e localizável. Cirandei pelo meu apartamento, continuando o meu raciocínio, mas não chegava a nenhuma conclusão. "A última vez que a usei foi quando...foi quando...? Ah, aquele telefonema, aquela morada apontada. Claro, já sei onde é que ela está." Fui até à cozinha, onde ontem apontara uma morada durante um telefonema feito enquanto mexia nos tachos, preparando o jantar e vi-a, reluzente sob a luz do amanhecer ali estava ela, a grande, a magnífica, a caneta do Zenit, com a qual ele esculpe lentamente o Universo, até lhe dar a sua forma desejada num grande dia triunfal. Então as pessoas aproximar-se-ão de mim timidamente para me louvarem, mas eu serei expansivo e simpático e pedir-lhes-ei que não louvem a ninguém a não ser a si próprias. "Endireitei o mundo para que as pessoas possam estar felizes nele, não para que andem a curvar-se perante ninguém". Então as pessoas lançar-me-ão um olhar de puro deleite e espanto, como se olhassem para a mais bela coisa do Universo, quando olham apenas para a mais bela das almas. Eu falar-lhes-ei com segurança e humildade, mas estarei certo de que a maioria das pessoas precisa sempre de alguém a quem louvar...não terei problemas em lidar com essa pressão. Peguei então na caneta, corri para o caderno, abri-o e comecei a escrever. A meio da frase, estaquei. "Não era isto...". Pensei. "Não é nada disto". Os meus olhos incrédulos semicerraram-se e acabei por fechá-los. Parecia-me que todas as palavras tinham fugido, subindo para um sítio acima da minha cabeça, de onde apontavam para mim, zombeteiras e esquivas. Olhei para cima, mas elas já lá não estavam. As palavras giravam agora num céu distante. Voltei a tentar, mas não era nada daquilo. "Isto é uma porcaria!" Fiz um esforço imenso para me recordar das frases magníficas que construíra na cama, mas já não havia nada disso na minha cabeça, nem o mais pequeno resquício, nem o mais insignificante fragmento da Ideia. Devastado, fechei o caderno com violência e desatei a chorar em cima dele, amaldiçoando todas as danadas esferográficas deste mundo, que desapareciam para a escuridão nos momentos de iluminação dos seus donos, deixando num limbo de inexistência as mais sagradas ideias. Num impulso de raiva ou um ataque psicótico agarrei na caneta e parti-a. A tinta azul começou a escorrer-me estupidamente pelas mãos e eu apercebi-me logo da idiotice do meu acto irreflectido.
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