Diálogo Tenebroso (P)

Nadir Veld – Por vezes, bem à noitinha, quando tudo está adormecido, sinto vontade de partir silenciosamente deste mundo. Quando tudo está calmo e solene…irrelevante…sinto esses impulsos crescerem dentro de mim…
Zenit Saphyr – Como podes falar de uma coisa dessas nesses termos? É inqualificável, repugnante…Não tens autoridade sobre o teu espírito interior…ele liberta-se quando quiser…assim ficas uma alma amaldiçoada para toda a eternidade.
NV - Quero matar-me.
ZS - Quando alguém me diz isso peço-lhe para aguardar meia hora. Pode ser que já não queira morrer e caso consumasse o acto não poderia voltar atrás.
NV – A morte libertar-me-á de todas as dores do meu espírito, todos os sentimentos frustrados, todas as mágoas e sonhos perdidos…depois da morte não haverá mais dor…
ZS – Só na vida as alegrias são possíveis, também! Nunca ninguém viu um cadáver exultante.
NV – Qual? Todas as caveiras sorriem!
ZS – Isso é muito tempo depois da morte, quando se apercebem quão vãs foram as suas almas no eterno.
NV – Se são vãs no eterno as nossas almas porque não podemos esbanja-las a nosso bom proveito?
ZS – Porque as nossas almas vãs são estimuladas pela nossa identidade. A nossa identidade única e irrepetível pode viver para sempre como o demonstraram todos os homens que partiram e de que nos lembramos.
NV – Muitos dos que atalharam pelas estradas da vida serão mais bem recordados do que tu! Tu serás esquecido brevemente…muitos suicidas serão para sempre lembrados…
ZS – Não me compreendes! Eles podem ser recordados, mas, queiram ou não, falharam, serão recordados como um projecto que ficou a meio, como...
NV – Que disparate inqualificável…Somos senhores do nosso destino, nós, essas identidades de que falas com tanto carinho…esses eus interiores que por vezes descreves…Ninguém pode colocar barreiras nem entraves no nosso caminho…escolhemos o que nos apetecer escolher…
ZS – Talvez não me explique bem, mas aqui quem tem razão sou eu!
NV – Tens razão pelo teu ponto de vista, eu tenho pelo meu. Estamos os dois bastante longe de chegarmos a um consenso…
ZS – Não quero consensos! Eles não são necessários e interessam tanto como a bênção de um padre a um doente terminal. Quero que me compreendas…a vida e a identidade existem e parece magia. É tudo o que conhecemos…se tirarmos isso a nós próprios entramos num reino desconhecido, incerto…onde podemos não estar melhor que quando estávamos vivos…
NV – Viagens rumo ao desconhecido…Não é esse o teu lema de vida?
ZS – Sim…mas não…o desconhecido que nos permita saber que tudo pode continuar…não um desconhecido de tal forma incerto que…
NV – Como sabes que a morte é pior que a vida?
ZS – Não sei…mas gosto muito da vida…Mais do que do mistério da morte. A morte nem sequer É. Agora vou abafar-te e sepultar a tua consciência exprimindo ideias de destruição. Estou farto das tuas ideias loucas e elas nunca me contaminarão. A lápide com que te aprisiono só poderá ser levantada quando eu o desejar, quando por alguma razão desejar assistir a um espectáculo de degradação.

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