Gosto (XX) P

Gosto de não escrever tanto como a minha capacidade criativa permitiria. Tenho sempre muito mais ideias para histórias do que histórias propriamente escritas. Sou, digo-o sem medo, um não escritor, pelo menos fui-o até esta altura da minha vida. Não ser escritor é muito diferente, na minha opinião, do que ser um não escritor. Quando projecto um conto para uma história que eu queira contar, o resultado final vai ficar, inevitavelmente, aquém das expectativas, aquém daquilo que eu tinha imaginado e os leitores acabam sempre por ficar com uma história diferente daquela que eu gostava de contar, com mensagens e ideias erradas, porque juntar as palavras certas para contar o que queremos da maneira que desejamos é preciso uma mestria que eu só poderei ter. "Ainda não chegou a altura certa para contar esta história, tenho de amadurecer, crescer mais um pouco", às vezes dou por mim a pensar coisas desse género. Outras vezes, recrimino-me por ser incapaz de escrever na terceira pessoa, por ser sempre demasiado pessoal no que digo. Isto acontece porque eu não sou capaz de me pôr fora de mim, de me criticar a mim próprio, porque tenho medo de ter um controlo absoluto de todas as forças narrativas. Há alturas em que não me lembro de uma maldita palavra, como por exemplo como se chamam aqueles compartimentos dos autocarros para colocar as bagagens de mão por cima dos assentos dos bancos?, como dizer que um homem está na base do seu prédio, como se fossem as traseiras, na zona dos lojas?. às vezes fico a pensar e a pensar numa palavra ou num adjectivo que está a mais e não sai nada, o que obviamente é frustrante. Mesmo que saiba qual a palavra para o objecto que estou a querer descrever, crio para mim outras barreiras, como perguntas sobre se a palavra escrita se ajusta à passagem perfeita da mensagem (a plasmação miraculosa da imagem da nossa cabeça para a cabeça do leitor), se escrever histórias é a melhor forma de ensinarmos os demais. Outra questão angustiante com que me confronto habitualmente é "se já estará tudo escrito". Há alguma coisa por dizer que ainda não tenha sido dita? Sinceramente acho que não, porque ainda que as pessoas todas tenham vivências completamente distintas, o mundo actual aglutinou as diferenças do mundo e colocou quase toda a gente na mesma rede. Salvam-se aqueles que guardam o silêncio dos Himalaias. Um abraço no tempo para esses.

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