Gosto (XXII)

Gosto de coprografomaníacos, ainda que eu não o seja, graças aos céus. Como já referi noutros escritos a palavra coprografomaníaco foi inventada por mim para colmatar uma lacuna da língua portuguesa. Há uns anos tive um amigo, em França, que tinha o hábito maníaco, a obsessão até, de tirar fotos às suas fezes acabadas de expelir. Tinha na sua casa uma sanita muito particular, com o fundo mais largo que o habitual, onde as defecações boiavam livremente, permitindo uma fotografia esteticamente mais agradável, uma vez que as sanitas comuns, estreitas, feitas apenas para uma defecação vulgar, sem pensar na boa disposição dos excrementos, são muito estreitas e o cocó fica ali todo apertado, esmagando-se a si próprio como se fosse uma porcaria vulgar. Eu, às vezes, vou à casa de banho e fico chateado por não poder contemplar devidamente a minha obra e puxo o autoclismo resignado à vulgaridade com que são tratadas as excreções. Esse meu amigo, o Pierre, para além de tirar uma fotografia, que posteriormente revelava (agora acho que já usa uma câmara digital e faz uma impressão da imagem para não gastar tanto dinheiro), tomava também nota da hora do ocorrido, da sensação que sentira ao soltar o material (e é sempre uma sensação diferente), da intensidade do cheiro que enchia a atmosfera da casa-de-banho e da sensação com que ficou quando terminada a operação. Vi os seus catálogos pormenorizados, com fotos brilhantes dos pedaços de merda que ele tinha defecado desde os 17 anos. Uma vez disse-me que, se tinha uma grande pena na vida, era não ter começado a fazer aquela catalogação mais cedo e, por essa mesma razão, começara a catalogar as fotos das fezes dos seus filhos desde a primeira e bendita escória soltada pelo seus petizes. Mostrou-me também esse catálogo que começava, obviamente, com fotos de fraldas. Havia comoção no seu olhar. Depois explicou-me que cada vez que ia à casa de banho sentia que lá deixava uma parte de si, como que um mini-filho, por isso sentia que lhe devia fazer uma cerimónia de despedida, um ritual de amor à bosta. Contou-me também que fora comprar esta nova sanita de fundo largo com a sua mulher, uma vez que antes usava uma sanita construída por ele, também com um fundo muito largo onde caíam as fezes, mas sem água, porque "era assim que se podia contemplar e sentir toda a pureza do cagalhão", segundo as suas palavras. Depois de se casar, a mulher começou a fartar-se das suas constantes idas ao jardim público para depositar a sua caca na erva e ameaçou com o divórcio, o que o fez modificar um pouco a sua mania.
A última vez que me contactou, há cerca de 2 anos, perguntou-me onde é que eu achava que deveria colocar um microfone, para melhor registar a ida à casa de banho, se dentro, se fora de água. Disse-lhe que os microfones subaquáticos são muito mais caros, ainda que soubesse que esse nunca fora um problema para Pierre. Segundo o que ele me disse no último e-mail que me enviou, colocou um microfone muito direccional fora de água, apontado para área aquática onde caem as fezes e um no interior da sanita, bem fixado na porcelana para não ser arrastado pelas descargas, mas distante do local do impacto, pois o som dessa colocação resultante era pouco agradável e, por vezes, os níveis estouravam.
Eu gosto de todas as obsessões, são uma coisa que me interessa, mas esta parece-me particularmente engraçada e invulgar.

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