Comiseração (II)

Sobe-me até à garganta a alma pressionando para sair em forma de grito doloroso. Não sinto nada no ventre a não ser um vago desconforto e as minhas costas estão tão curvadas nesta eterna corcunda de derrotado, que as costelas me rasgam os pulmões. Quando respiro sai da minha boca o som de um apito que me dificulta o adormecer. Acontece esse som sair entrecortado numa expiração-lamento, provocando pela presença da alma-angústia na garganta.  Deito-me com ele e acordo com esse ruído. Sei que ele importuna os meus sonhos porque às vezes as pessoas vêm todas ter comigo e ficam a olhar-me com curiosidade. Às vezes fazem uma roda à minha volta e eu fico preso e parado a senti-los verem-me, mas sem ver nenhum deles. Gostava de poder controlar melhor os meus sonhos, olhar para todos os cantos obscuros da minha imaginação, mas não posso fazer o que quero, é como se eles estivessem predeterminados. Só uma vez consegui controlar o que fazia no sonho. Foi um dos grandes momentos da minha vida. Eu sabia que estava a sonhar, mas também tinha o controlo, era como se estivesse a viver enquanto sonhava e, por isso, desatei a esfaquear pessoas (que me estavam a chatear). Lembro-me de meter a faca como se fosse manteiga no corpo de um dos bandalhos e do sangue esguichando gloriosamente.

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