Por Terras Catalãs (Dia 1)

Tomei a decisão de partir de um momento para o outro, por ter visto esta oportunidade de escapar. Estava num bar e apareceu um português e tivemos a conversar e a beber uns copos. Ele vai para Portugal de férias do trabalho em França (já nem me lembro do que faz) e por esta hora arranca estrada fora para uma longa viagem, deixando-me numa estação de serviço pouco movimentada. Ele já estava meio tocado pelo álcool, por isso vim eu a guiar, rasgando o alcatrão com a atenção focada na vida e com o olhar perdido naquela zona indefenível entre a obsessão e a melancolia.Fico sempre triste quando me vou embora, temporariamente cativo no meu pensamento das coisas que podia ter feito, mas que nunca farei.  Só passei por casa para pegar na mochila e atafulhar lá para dentro os papéis e algumas peças de roupa.  Por volta das seis e meia da manhã ele deixou-me numa estação de serviço antes de Lleida, cidade que pretendo visitar. Agora são sete e um quarto. Olho para esta mochila avolumada sobretudo por papéis dispersos com muitas coisas soltas escritas, que nunca fariam um pingo de sentido nem arrebatam um segundo de tempo à eternidade. Apetece-me reuni-las e queimá-las, mas isso também me deixa melancólico. Já pedi boleia a uma senhora, que me lançou um daqueles olhares graves e carregados de fúria, de alguém que queria era estar a dormir e que por isso tem fúria a quem tem tempo livre, pelo menos foi assim que o interpretei na hora e que quero pensar nele agora. Gosto de inventar desculpas para negar os meus problemas e aqueles que derivam do meu aspecto. Aquela mulher jovem e não particularmente atraente, com o seu jeito pouco charmoso e recém desperto de um sono que persegue durante todas as demasiadas horas de vigília, não se interessou minimamente por mim, nem pela minha viagem, não se dignou sequer a responder-me, um "não" para negar a boleia. É com ela no pensamento, porque só gosto de recordar tristezas irremediáveis e situações de confusão em que fico a perder, que acabo este primeiro texto sobre esta viagem na estrada, certo de que será uma viagem repleta de casos semelhantes de desprezo. Vou sair para ganhar horas para visitar Lleida.
Escrito à mão na madrugada de 1 de Dezembro, Lleida.

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