Comiseração (VII)

Ela falou-me de um seu amigo albanês que matava pessoas por 5000 euros sem porquês, mas quando a história lhe era explicada e ele até concordava que a vítima merecia a morte por causa dos seus actos, o preço podia baixar cerca de 1000 euros. Certa vez, fez desaparecer um marido agressor, cuja mulher apresentava nódoas negras em todo o corpo, por apenas 2000 euros. Disse-me que ele trabalhava muito bem. Era o melhor. Ainda não tinha sido declarado o óbito de nenhuma das suas vítimas. Costumavam aparecer na televisão familiares choramingantes dizendo que os seus entes queridos tinham desaparecido sem deixar rasto, que alguma coisa de mal lhes tinha acontecido, que suspeitavam da morte, mas nunca a podiam confirmar, viviam na dúvida. Começavam-se grandes buscas que redundavam sempre em nada. Era um autêntico desvanecimento para o vazio, como se houvesse um buraco no mundo que apenas ele conhecia e onde ia despejando as suas vítimas. Ela repetiu-me várias vezes que eu devia ter cuidado. Que eu ia ser o próximo caso insistisse, que eu ia ser o próximo caso voltasse a surpreendê-la, que eu não podia abusar, que tinha de me reduzir à minha insignificância e desaparecer.

Agora, até quando estou em casa olha a porta com temor, escuto todos os sons das proximidades, analisando-os com cautela. Na rua, todos os meus passos são calculados e todos os olhares esmiuçados por uma alma apavorada, tudo por causa do seu amigo moldavo que faz desaparecer pessoas por 5000 euros, ou menos caso não goste delas.

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