Por Terras Catalãs (Dia 1) (II)

Finalmente consegui! Arranjei boleia às dez horas da manhã, quando a minha reputação na estação de serviço ia aumentando, e eu estava mais disposto a parecer bem a uma empregada venezuelana muito simpática que por lá se apresentava do que a importar-me em sair dali (porque se está preso num pardieiro quando se está em bombas de gasolina), porque estava a viver mesmo o ritmo da vida, o que só me acontece quando estou muitas horas sem dormir, porque se o fizer depois tenho de recomeçar tudo de novo. Estava alerta e seguro de chegar à hora que eu quisesse a Lleida. Eu tenho a teoria que quando se parte confiante para a estrada com o polegar apontado para o céu convidando o desconhecido a entrar na nossa vida, quando se tem muita segurança do que se está a fazer, quase ninguém recusa dar boleia. Só temos de jogar o jogo certo.

comecei este texto com "finalmente consegui" e nem expliquei que o que se passou foi que hoje me chamei Oriol. Nessa boleia das dez da manhã, um casal de velhotes deu-me boleia, e eu, que gosto sempre de mentir a quem me dá boleia, para criar um Universo de conforto total nesses samaritanos, disse-lhes que era catalão, que tinha 42 anos e ia ter com a minha mulher e os meus filhos, que tinha sido raptado, que "gracies a déu" me tinham libertado. Falei sempre em catalão e eles acreditaram que eu era autóctone. Enganá-los assim deixa-me mesmo muito orgulhoso. Falo catalão, sou catalão, até me dar para ser outra coisa.

Estou numa pensão no centro e, ainda que já não durma há 27 horas, ouvem-se convidativos clamores na rua, que já têm a minha atenção.

3 h 30 - Lleida

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