Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (12 de Julho de 2015)

Este escrito contém revelações cruciais dos capítulos finais de Crime e Castigo de Fiódor Dostoyevski. À atenção dos hipotéticos leitores.

Estava numa Departamento das Finanças, lendo um dos capítulos finais de Crime e Castigo à espera da minha vez de ser atendido, quando me deparei com uma passagem pungente do brilhante romance do escritor russo, em que ele dedica a sua atenção à misteriosa personagem Svidrigailóv. O pretendente da irmã de Raskolnikóv, completamente perdido de amores por ela, anda perdido pelas ruas de S. Petersburgo e vai parar a um hotel onde não consegue dormir porque ouve uma criança a chorar por um qualquer motivo absurdo. Então, sai e suicida-se em frente a um agente da lei. Já há muito que eu tinha percebido que a personagem se ia matar, mas o meu estado emocional e a forma como está escrito levaram a que eu me desfizessem em lágrimas à frente de toda a gente que por ali cirandava e eu não pude fazer nada para as evitar, pelo que as deixei escorrer violentamente pelo meu rosto sem levantar os olhos do livro. Comecei a soluçar de forma incontrolável enquanto a minha alma dilacerada gritava "Svidrigáilov, Svidrigailóv, SVIDRIGÁILOV! Os homens maus também se matam! os homens maus também se matam e morrem sofrendo de amores e dores insondáveis!". Svidirgáilov é uma personagem construída de forma meticulosa e ao qual não é dado muito tempo, até para manter a aura de estranheza que a torna tão interessante, pois é pelo facto de nós nunca entendermos bem o que Svidrigáilov quer, quais são as suas intenções, que ele se nos afigura tão memorável. E também pelo seu nome, que é lindíssimo, como Raskolnikóv, como Pulkhéria Aleksandrovna, como Razumíkhin. Continuei agitado durante alguns segundos, com as mãos em frente aos olhos e a respiração ofegante, mas depois voltei a concentrar-me na parte final do capítulo e nas últimas palavras do estranho personagem, sem ter coragem de levantar os olhos das linhas e encarar as pessoas que me rodeavam e que certamente teriam reparado no meu pranto. Enquanto enxugava os olhos repreendi-me interiormente por ter dito que ele era um homem mau. "Os homens são todos maus" pensei para mim e reflecti sobre essa frase. "Sim, os homens são todos maus e as mulheres também". As palavras seguintes já as murmurei audivelmente: "Sim, as mulheres também" e soltei uma estrondosa gargalhada, tirando finalmente os olhos do livro. Todas as pessoas que ali estavam olhavam para mim como se eu fosse um louco. Soltei uma nova gargalhada e gritei "SIM, AS MULHERES TAMBÉM AHAHAH". Levantei-me e precipitei-me para a saída. Posso tratar deste problema com as finanças noutro dia.

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