Comiseração (39)

Oh Meu deus, a minha orelha esquerda está a tentar matar-me! Ela está a arder, vermelha e quente na minha cabeça de faiscantes pensamentos alucinada. Quem estará a falar mal de mim? Ainda se fosse a orelha direita a queimar...Sim...Alguém estaria a falar bem de mim...A desenhar o meu rosto com corações nas fotos da sua imaginação e encontrando esperança nos meu jeito descontraído, ou assim, mas não! É a orelha esquerda que arde e parece que nasce um fogo que se espalha para o meu cabelo e então já sabem, eu grito queimado agarro-me a cabeça intacta, mas tão não intacta assim, intacta para quem vê por fora, mas por quem a sente...é diferente, mas mesmo assim apago o fogo, mas o fumo não pára de sair do meu cabelo e toda a gente olha para a minha orelha em alta voltagem, carne viva já, carne viva, já!!
Estava no metro com o sistema auditivo semi-destruído. Quem estaria a falar mal de mim? Quem accionou este mecanismo trágico? A minha orelha esquerda avisa-me, mas, com isso, mata-me. Caio para o meio do chão, em chamas, agarrado à cabeça, tentando arrancar aquela orelha incandescente...Quem estará a falar mal de mim? Ninguém se aproxima. Provavelmente temem que eu expluda. Não posso soltar mais fumo, saio numa estação secundária, mas volto a entrar para uma carruagem que está vazia. A orelha ouve ainda sons eléctricos de passageiras apressadas. Elas vêm e vão em direcção ao...em direcção ao...não são elas que falam mal de mim e então arranca e elas perdem-se todas com a distância. O tempo jamais nos reencontrará...Típicas despedidas de inumanos seres que esperam morrer sem saber nada daquele com que cruzou o olhar...
A minha orelha esquerda matou parte de mim. Ainda oiço radiações biónicas e guerras próximas nas pradarias do vasto mar, mas não posso fazer nada em relação a isso...Quem está a falar mal de mim?

Nadir Veld