Os Diários Lunáticos de Zenit Saphyr (7 de Novembro de 2015) P

Estava a passear na Rua Augusta quando vi uma mendiga com todo o aspecto de ser uma grande drogada a coçar loucamente a sua enorme barriga de grávida, como se aquele bebé se tratasse de uma protuberância alienígena. Quando passei mesmo junto dela e vi o seu aspecto mais de perto e os gestos frenéticos que ela estava a fazer coçando a própria barriga tive um dos meus ataques de fúria misturada com delírio e tive de me agarrar à cabeça para controlar as convulsões porque o cérebro começou outra vez a fervilhar a uma velocidade e com uma intensidade indescritível e tive de dirigir-me para uma rua secundária e sentar-me no chão, porque não estava a suportar aquelas emoções em colapso. Uma mendiga grávida! Nunca na minha vida tinha visto uma mendiga grávida...e aquele bebé...ainda nem tinha nascido e já estava mais que condenado à mais miserável das existências, com uma mãe daquelas! Mas...quem é que teria feito um filho naquela mulher monstruosa? Quem se teria sentido atraído por aqueles olhos de droga, aqueles braços escanzelados cheios de marcas de agulhas, aquela pele doente, aquele cabelo sujo...Oh, aquele bebé indesejado e aqueles gestos frenéticos, como se lhe batesse...Sim o bebé já era espancado e ainda nem sequer tinha nascido. Um fluxo de pensamentos incontrolável invadia-me, não conseguia não odiar até à morte o selvagem que tinha feito aquele bebé...As lágrimas escorriam-me pela face...tinha tanta pena dela que, se tivesse algum dinheiro lhe teria deixado grande parte...pensei que se recebesse 1000 euros mensais não me importava de lhe dar metade, já lhe tinha dado metade. Então tomei uma decisão que iria marcar o resto da minha vida. Ainda que eu esteja a viver numa situação muito precária, a dormir na rua ou em casas abandonadas, ia juntar-me a ela. Levantei-me para lho dizer, resoluto. Baixei-me e coloquei a mão no seu ombro. Os meus olhos ardiam ainda as minhas lágrimas. Ela continuava a mexer na barriga e então eu reparei que a barriga foi um pouco para baixo, exageradamente para baixo, como se...como se fosse só...então estendi a minha mão e enterrei-a numa barriga de trapos, bem ao fundo até àquele esqueleto imundo coberto de uma pele doente. Fulminou então os meus olhos uma sensação terrível...tinha sido enganado...como um ingénuo patinho tinha caído naquele infame truque de mendiga para coleccionar mais uns trocos, naquela exploração da pena alheia. Sem saber que mais dizer levantei-me e fugi dali para fora. Agora admito que foi uma decisão precipitada, eu devia tê-la elogiado pela sua originalidade, em vez de ficar furioso e a gritar coisas na minha cabeça como "devias era ter-lhe dado um pontapé na cabeça, a grande puta, a enganar as pessoas explorando a pena alheia...". Como todas as outras pessoas, bem ou mal, ela estava só a fazer o seu trabalho...

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