Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (20ª Parte)
Embalado pelo som da
cítara que o Homem Orquestra tocava maravilhosamente, avancei com redobrada
atenção e a cobra hipnotizada seguiu-nos fielmente. A melodia que ele tocava
parecia antiquíssima, como se tivesse sido composta no princípio de Tudo. O
Universo girava em volta dos sons daquele magnífico amigo e eterno companheiro.
A minha existência era maravilhosa, fazia sentido, mas eu questionava-me sobre
a sua durabilidade. O Homem Orquestra não comunicava comigo, nem me explicava
palavra a palavra o sentido daquela existência e acho que isso o tornava ainda
um melhor companheiro. Não me questionava, nem me interpelava dizendo que
estava no mau caminho, antes seguia-me finalmente reproduzindo um excelente
ambiente, muito inteligentemente Orquestrado. A certa altura, no nosso caminho,
a selva tornou-se menos densa e a vegetação mais rasteira. Entramos numa grande
estrada, bastante larga, estendendo-se cerca de metros para lá das duas
fronteiras da selva que continuava. Depois de um promontório, a estrada subia,
sempre ladeada pela selva. Subimos cerca de quatrocentos metros e vimo-nos num
topo alto, contemplando o esplendor da paisagem lá em baixo. Uma pirâmide como
a dos Maias enchia-me a vista e parecia habitada deuses antigos em espírito,
elevando-se para o céu, como se o acusasse de se misterioso. De trás dela
corria um rio de ouro espesso, avançando lentamente para fora da minha vista,
no céu, um pôr do sol violeta embelezava até umas estranhas aves que voavam em
grupo, cada uma com duas cabeças e quatro olhos. Partiam no entanto, não se
mostrando uma ameaça e foi nesse momento que me apercebi que a Terra deixara de
tremer. Em frente da pirâmide havia um lago brilhante e foi para lá que avancei
mesmerizado com tamanha beleza. Desci a estrada e, pela primeira vez, a cobra
avançou à nossa frente, passou-nos e foi directa à pirâmide. Perto da ponte que
passava pelo lago havia uma vegetação rasteira que a cobra cuidou de abrir para
nós. Avançámos até à ponte e, dos dois lados, o lago brilhante captava a minha atenção.
A cobra estendera-se e bebia agora a água do lago e ia-se tornando mais branca.
Cambaleando, ergui a minha mão para a cobra para a abençoar, libertando-a, mas
o meu olhar foi captado por um reflexo no fundo do lago, passado um instante,
causando-me grande susto, da água brilhante saltou um peixe sorrindo e
acenando-me. Sorri-lhe de volta. Ao olhar para a cobra, vi que ela começava a
submergir, como se tivesse a ser sugada por uma água de areias movediças. O
Homem Orquestra baixara-se e começara a fazer entrar aquela água brilhante para
o seu organismo. Também eu cedi áquela maravilha, ela chamava-me
hipnotizava-me. Molhei a cara com ela e quando ela percorreu o meu corpo, senti
o Prazer Magnífico e Sublime. Mergulhei e senti-me abençoado pelas forças Celestiais
quhabitavam naquela água. Emergi a minha cabeça e vi que o Homem Orquestra
continuava a ingerir aquela água. A cobra convertera-se em luz e voava agora em
direcção à pirâmide e quando lá chegava, ao ponto mais alto, olhava para baixo
e voltava a cair na piscina, num mergulho perfeito, digno de campeã Olímpica,
sem causar perturbação na superfície. Sorri para o Homem Orquestra. Ele
ergueu-se, sorrindo, e começou a tocar uma música que eu conhecia, sobre
Aquiles ser o último a cair, dos Led Zeppelin. Os acordes celestiais levaram-me
à loucura enquanto dançava nas águas e tentava abraçar aquela essência
incrível. Bebi daquela água e senti ter dez metros de altura como uma
portentosa árvore movida pela consciência, criando raízes em todos os lugares. O
céu sintético era o espelho daquele lugar. Lá do horizonte surgiu um raio verde
como um laser e cruzou os céus lentamente. Passado um pouco surgiram vários
raios vermelhos de diferentes formas avançando rapidamente no céu cinzento,
como se perseguissem o primeiro raio, voltei-me para os ver colidir e, quando
todos eles alcançaram o verde, uma explosão amarela brilhou nos céus. Dela
surgira pontos azuis que começaram a dançar na noite, iliuminando os saltos da
cobra. Ela continuava os seus mergulhos e eu deliciava-me naquela água. As
pequena criaturas que sorriam vieram cumprimentar-me e eu acolhi-as com
entusiasmo. Não falavamos, apenas olhavamos. A certa altura deixaram de me
achar interessante e eu dediquei-me a beber daquela água, que sabia ao princípio
e ao fim da existência. Nadei e chapinhei alegremente como uma cria no ventre
materno. Sai da água e subi ao topo da pirâmide, os peixes continuavam a
sorrir-me e a cobrava confraternizava com eles no fundo e à superfície. Eles
gostavam dos saltos dela. O Homem Orquestra, chegado ao fim da música,
prolongou aquele som que parecia feito com a matéria do Tempo, lembrando o
Início Principal. Enebriado pela água e pela música cambaleei pelas escadas
mais feliz que nunca. Sorria e não queria acreditar como era abençoado. Chegado
ao topo da pirâmide medi o horizonte contemplando apenas selva sob um céu
psicadélico. A pirâmide parcia um dedo gordo apontado para o céu, como se
condenasse uma entidade superior pelos males terrenos. Deitei-me na parte mais
alta e olhei o céu que continuava o seu espectáculo hipnotizante. Adormeci
enquanto o Homem Orquestra continuava a tocar aquele som, como se tivesse
encravado ou fosse um disco riscado.
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