Perigeu
A tarde começava a findar quando decidi procurar,
discernindo no horizonte um bom lugar para passar a noite ao relento. Caminhava
em direcção às montanhas para, durante uma semana, viver longe de seres
humanos, para que pudesse dar livre-trânsito aos meus pensamentos desta forma
ininterruptos. Afastei-me da sociedade para pensar, pois há muito não me
dedicava a alimentar a minha faceta filosófica. Avançava por um estreito trilho
de terra, ladeado, de um lado, por uma floresta e do outro por um pequeno
riacho. Na outra margem do riacho uma escarpa elevava-se a uma altura
impossível de trepar. Quando a lua subiu no céu apercebi-me que provavelmente
estava no perigeu, o ponto em que o nosso satélite natural se encontra mais
perto da Terra. Contemplei a lua cheia e gigantesca com enorme prazer. O sol
ainda não se tinha posto, por isso revestia a lua com uma bonita aura dourada.
Meia hora antes de o sol se pôr entrei numa clareira da floresta e andei um
pouco até chegar a uma ravina, antes da qual havia um pequeno espaço com tufos
de erva onde me podia deitar. A falésia caía para um precipício enorme do qual
tive medo de me aproximar. Daquele lugar conseguia ver o horizonte numa vasta
extensão. Para chegar a parte da montanha onde me encontrava tivera de
percorrer aquela terra verdejante lá em baixo, onde alguns animais pastavam. A
magnífica lua derramava o seu brilho nessa pradaria e eu senti um êxtase divino
por contemplar tão celestial beleza. Enfiei-me no meu saco cama estendendo uma
toalha debaixo de mim para que o orvalho nocturno não me incomodasse. Não
planeava começar já a dormir, só queria sentir-me confortável enquanto escutava
silenciosamente, tentando até alhear-me do ruído da minha respiração e do bater
do meu coração. Discernia alguns animais, sendo que aqueles cujo canto mais me
encantava eram as aves nocturnas. A lua próxima mostrava a sua face com grandes
dimensões, permitindo ver facilmente a sua violenta superfície desbastada por
meteoros. Quando a noite caiu e eu sentia a minha consciência abandonar-me
enquanto era embalado pelos sons da Natureza, um vento forte abateu-se sobre as
árvores atrás de mim, fazendo-as vergar, como se tivessem a fazer reverência à
lua. A noite ficou agitada e alguns pássaros fugiram atabalhoadamente pelos
ares, tal como um grupo de três raposas que desapareceu para a floresta
afastando-se da lua. O vento uivava cada vez mais forte quando reparei em
várias sombras percorrendo a lua. Nunca na vida vira semelhante fenómeno. Olhei
com mais atenção e percebi que as sombras, que pareciam pertencer a vultos,
tremiam na superfície lunar. Senti o meu coração a palpitar na minha boca e um
enorme pânico invadiu-me o espírito. Estava a tremer e não conseguia sair
daquele lugar, como se tivesse congelado pelo terror, os meus olhos foram
incapazes de se afastar da enorme lua que parecia o palco de um espectáculo
daqueles jogos de sombras que se fazem com a mão. O meu terror aumentou quando
vi a quem pertencia parte da sombra. Um homem, com uma longa capa vermelha, uma
armadura de bronze, um elmo dourado com plumagem carmim na cabeça e empunhando
uma longa lança na mão direita corria pela lua abaixo. A sua sombra
projectava-se à sua frente, porém parecia haver outra sombra movendo-se,
aproximando-se. Passado um pouco surgiu outro homem, este vestido com uma longa
túnica branca que lhe cobria todo o corpo. Aproximava-se sorrateiramente do
primeiro homem que avançava sem se ter dado conta da presença do da túnica
branca. O vento cessara e agora nada se ouvia a não ser uma enorme quietude e o
meu coração palpitante. Cada vez mais próximo, o homem da túnica levou a mão ao
interior da túnica e desembainhou um punhal ondulado com um cabo de madeira.
Ergueu a mão no ar como quem vai apunhalar e continuou a aproximar-se. Gritei,
tentando avisar o homem da túnica, mas ainda que a lua estivesse próxima, ele
não me pôde ouvir e continuou a sua corrida alheio ao ameaçador homem da túnica
que estava quase a alcançá-lo. Quando ficou mesmo atrás dele gritei novamente
e, não sei se ele me ouviu ou se simplesmente sentiu o outro a aproximar-se, o
que é certo é que quando ele se voltou para o da túnica já era tarde de mais
para usar a sua longa lança e o homem de branco desferiu-lhe um mortal golpe no
coração. O homem da capa vermelha estacou e caiu morto instantaneamente. Um rio
de sangue libertou-se do seu peito e encheu a lua com um líquido carmesim,
dando à lua um incrível brilho vermelho. No céu as nuvens ficaram mais
carregadas e ameaçadoras, o vento recomeçou a uivar e depois de um trovão
iluminar a noite terrestre começou a chover sangue da abóbada celeste.
Excentricional!!!
ResponderEliminarComeçou excrpcional numa narrativa detalhada que me trouxe a memória o incrivel "Frankeinstein", e ficou insano, excentrico, mas incrivel com esse toque final de magia.
Adorei