Assim se Cumpre em Mim a Lei de Talião (32ª Parte)
O Homem Orquestra, percebendo o meu plano, avançou à minha frente,
silencioso e camuflado pela vegetação. Foi destemido e eu voltei para a gruta.
A certa altura ouvi um zumbido que o anunciava, fui vê-lo ao aproximar-se,
perseguido por três demónios. Avançava bem à sua frente e entrou para as
profundezas da gruta, onde começou a tocar mais alto sons da natureza. Os
demónios estavam condenados mal entrassem na gruta. Quando eles chegaram
matei-os aos três facilmente. O primeiro foi fácil de matar pois estava
completamente desarmado, os outros dois viram-se afunilados pela entrada e eu
tive facilidade em golpeá-los. Passados vinte minutos vieram dois demónios a
cavalo à procura dos seus companheiros. Matei os demónios, mas poupei os
cavalos. Salter para cima de um e ajudei o Homem Orquestra a pôr-se no dorso do
outro e começou a tocar a Cavalgada das Valquírias. Peguei no espelho pelo cabo
dourado que o suportava e ergui-o bem acima da minha cabeça, dirigindo o
espelho para a zona de onde o sol brilhava. Comecei a cavalgar, transportando
aquele luz, como se ela fosse a minha arma. Avançámos em direcção aos oitenta
demónios que aguardavam à entrada da pradaria. O reflexo da luz do sol
incadeou-os e por isso, quando lá cheguei eles estavam todos deitados no chão. Eu
cavalguei movendo o espelho, fazendo pontaria para acertar nos demónios com a
luz. Matei cerca de 40 quando eles estavam no chão a rebolar-se, tapando os
olhos de qualquer luz, os outros recuperaram, por isso voltei a saltar para o
cavalo empunhando a arma de Luz. Olhei para o feixe dourado, a racha de nuvens
no céu, uma obra de Deus em pleno Inferno, território dominado pelos maiores
demónios, agradeci a sua existência e lancei de novo a luz contra eles. Foram
caindo lentamente, cambaleando como se estivessem ébrios. Um a um golpei-os até
à morte. Mais uma vez eu e o Homem Orquestra entramos naquela pradaria
gloriosa. Sabiamos que era um extenso território verdejante e isso
reconfortava-nos, estavamos de regresso a um sítio que conheciamos. Atrás de nós,
os canhões propulsionadores de meteoros engoliam a montanha com um som
temeroso. Avançámos de cavalo durante 30 maravilhosos anos, os melhores da
minha passagem no Inferno, sempre fugindo de ocasionais demónios e alturas em
que os meteoros engoliam a pradaria atrás de nós. Ele zumbia e imitava sons da
vida com grande precisão. Quando chegamos à praia, no céu, as nuvens faziam
sorrisos escarnecedores e o mar estava calmo. Atrás de nós quase não havia
paisagem. Toda a pradaria tinha sido engolida pelo vazio. Não havia paisagem
para lá. Apenas um céu sintético, estrelado e colorido. O Homem Orquestra
analisou a situação e percebeu que era o fim. O Oceano estendia-se até ao
infinito e delimitava o mundo que podiamos conhecer à praia. Começou a tocar
uma música sobre a Atlântida do cantor Donovan. Vi ao longe, para lá da
pradaria, debaixo das estrelas, o canhão de meteoros preparando-se para
destruir o que restava das planícies verdejantes. Rapidamente a terra foi
caindo e então vi-me seguro apenas à praia. Abracei-me ao Homem Orquestra.
Aquele era o último adeus a última balada! Todos os poetas que com ele se
cruzarem calarão os seus infortúnios para sempre! Ele era o melhor de todos os
artistas, o incomparável Homem Orquestra. Uma gargalhada soltou-se das profundezas.
Gutural, encantadora e demoníaco, a gargalhada ecoou na praia. O Homem
Orquestra começou a chorar. Os canhões de meteoros começaram a soar e o som da
praia a despedaçar-se atingiu-me fundo no coração gelado. Não podia perder esta
vida...Corri para a água e o Homem Orquestra seguiu-me. Olhei-o pensando no
fim, não havia qualquer hipótese. A praia foi quase toda engolida. No horizonte
só se viam estrelas distantes. A ponta de areia que ainda existia deixava cair
os seus grãos um a um para o precipício. A gargalhada das profundezas soou mais
demoniaca. O canhão disparou vários meteoros na areia e a água começou a
arrastar-nos para o fim. Entrámos no precepício, senti um calor infernal e a
água que o buraco sugava evaporou-se numa densa nuvem por cima das nossas
cabeças. Abraçados fomos caindo, até que eu fui atingido por um dos meteoros em
chamas e o meu espírito abalado viu partir o Homem Orquestra para sempre.
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